Armador que se recusar a receber contêiner em débito merece o quê?
B14 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 32
“Caso a data de entrega de seu contêiner ultrapasse o período de free time, o time Service Delivery CMA CGM irá lhe fornecer a fatura referente ao período extra, e tão breve o comprovante de pagamento seja recebido, CMA CGM irá lhe indicar a localização do depot e prazo para que que seu contêiner seja devolvido.”
A arte da escrita é fascinante.
Por vezes, ela é tão envolvente que te seduz a ponto de concordar às cegas como um verdadeiro mandamento.
A retórica citada acima, contudo, não é convincente. Pelo contrário, é audaciosa.
Por certo, essa ousadia da Armadora só se permitiu em razão das “vistas grossas” por parte da ANTAQ em não tocar o “dedo na ferida”.
Para tudo tem um limite.
A carta denúncia da USUPORT foi como um torpedo direcionado à frota mercante francesa: com base em dados da UNCTAD (Review of Maritime Transport, 2018, 48), a referida Associação dos usuários do porto do Rio de Janeiro alegou que em 2017 o aumento do lucro da CMA-CGM foi de 32,1%, alcançando a cifra de USD 21,1 bilhões. Ao longo dos últimos 6 anos houve omissão por parte da ANTAQ em não impor um teto em bases justas das sobre-estadias de contêineres na Resolução nº 18/17 – ANTAQ.
Não só quanto aos preços em si: a omissão por parte da Agência Reguladora sucedeu também sobre as práticas abusivas por parte dos Armadores, como a exigência de depósito caução e assinaturas em termos de compromisso (confissão de dívida).
A resposta por parte da ANTAQ a este tema específico veio com a presteza desejada. Em menos de 15 dias e sem prévia manifestação da interessada CMA-CGM (art. 45 da Lei nº 9.784/99), a Diretoria Colegiada da Agência Reguladora, ad referendum, expediu Medida Cautelar de necessária urgência assegurada no processo administrativo sancionador (art. 78-C da Lei 10.833/03) editando a Resolução nº 7.574/2020, publicada no DOU Seção 1, nº 32, com a seguinte determinação:
“que se abstenha [CMA-CGM] de exigir o pagamento de sobre-estadia de contêineres antes das devoluções dos equipamentos”.
Para o Relator Francisval Mendes, com a entrega do contêiner encerram-se os serviços, que, faturados, geram a obrigação do pagamento. A inversão desta lógica razoável impõe aos usuários um aumento das obrigações de pagamento antecipado, cria restrições para entrega e aumenta a possibilidade de se ter mais sobre-estadias.
A utilização do termo “lógica razoável” foi generosa. Bastante generosa, diga-se de passagem. Expressão que melhor se ajustaria seria aquela criada por Nelson Rodrigues: óbvio ululante.
Com a entrega dos contêineres, em débitos de sobre-estadias (ou não), encerra-se a relação jurídica entre as partes que, uma vez faturados, a Armadora disporá de meios próprios para a cobrança dos serviços até então prestados. Jamais permitido o uso da coação para que seus objetivos financeiros sejam atingidos em primeiro.
Na 483ª Reunião Ordinária realizada no último dia 30 de julho de 2020, a decisão proferida por meio de ato ad referendum consubstanciado na Resolução nº 7.574/2020 foi referendada.
Esse modus operandi é tão esdrúxulo que não seria pretensioso afirmar que a discussão, caso levada ao Judiciário, seja tratada como causa ganha. Mas será que o usuário terá que se socorrer a todo tempo e a toda hora a esta via? Para alguns, crucis?
Respondendo à pergunta do título em discussão: Armador que se recusa a receber contêiner em débito merece reprimenda da Autoridade competente. Qual o papel da ANTAQ? Regular o setor, correto?
Que assim seja, então, e de forma rápida também quanto ao mérito do julgamento desta denúncia.
Amém!
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