Transferência de embarcação e suas nuances procedimentais
B16 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 20
Foi objeto de análise na 489ª ROD o Processo nº 50300.019270/2020-30. O escopo principal do ente regulador no feito em referência era verificar o cumprimento do artigo 2º da Resolução nº 7.806[1] , referente à observância dos requisitos procedimentais para transferência de embarcação. In casu a empresa adquirente apresentou Memorandum of Agreement correspondente à embarcação adquirida, que então estava alocada na frota de outra EBN - embarcação detentora de Termo de Autorização perante a ANTAQ.
A Gerência de Autorização da Navegação, entretanto, suscitou “dúvida jurídica”, questionando quais documentos poderiam ser aceitos para cumprimento do estatuído no artigo 16, §2º da Resolução Normativa nº 05/2016[2] . Vide excerto extraído do voto do Relator Adalberto Tokarski:
“(...) Pontuou que, considerando o caso específico, os documentos apresentados pelas duas empresas e, principalmente, a não especificação do rol de documentos passíveis de comprovação de alienação de embarcações de forma expressa no texto da Resolução Normativa 5 – ANTAQ, apresentamos dúvida jurídica, conforme Processo 50300.007279/2020-06 questionando, de forma geral, quais são os documentos que podem ser aceitos para comprovação do que é estabelecido no § 2° do art. 16 da Resolução Normativa nº 5-ANTAQ. (...)” (grifamos)
Assim, a gerência instou a Procuradoria Federal junto à ANTAQ (PFA), sob o argumento de que tais questionamentos são recorrentes, citando, a título de exemplo, contratos entre empresas brasileiras e estrangeiras em língua inglesa.
Não obstante, mesmo ainda sem o parecer jurídico, a dita gerência, considerando o contexto da transação entre as empresas de navegação e o termo de entrega da embarcação, entendeu que os normativos técnicos para transferência e incorporação na frota da adquirente foram atendidos.
A Superintendência de Outorgas e o relator do processo acompanharam esse entendimento.
O voto-vista emanado pelo Diretor Francisval Mendes aprofundou o tema e sua declaração de voto terminou por revolver o parecer jurídico da PFA. Veja-se:
“(...) A PFA apresentou os seguintes esclarecimentos:
(...)
Presume-se proprietário a pessoa física ou jurídica em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o caso (parágrafo único, art. 5º da Lei nº 7.652/1998). REGISTRO no sentido de propriedade da embarcação.
O registro de ato translativo de propriedade, inclusive proposta de compra e venda, deve ser registrada no Tribunal Marítimo, ou na Capitania de Portos quando for o caso (art. 9º da Lei nº7.652/98).
Portanto o que prova a propriedade da embarcação é o documento emitido pelo Tribunal Marítimo ou na Capitania dos Portos.
(...)
O artigo 33 da Lei nº nº 7.652/98, na redação dada pela Lei nº 9.774/98, exige que os atos relativos a qualquer modalidade de transferência de propriedade de embarcação sejam feitos por escritura pública. (...)”
Especificamente em relação aos documentos firmados em língua estrangeira, o parecer jurídico explicitou que a análise escapa à alçada da ANTAQ, competindo aos órgãos responsáveis pelo registro da embarcação (Capitania dos Portos ou Tribunal Marítimo).
Após a exposição dos esclarecimentos jurídicos, o voto-vista consignou que “restou pacificado o entendimento de que a propriedade de uma embarcação, independentemente do porte, somente fica de fato consumada com a devida emissão de documentação comprobatória pela Marinha do Brasil, em conformidade com a escritura pública”.
Em que pese o ponto pacificado, o voto vista se arvorou nas informações tecidas pela Gerência de Autorização da Navegação (GAN) para lembrar que, pelo “antigo procedimento” adotado pela setorial técnica, admitia-se a aceitação do Protocolo de Transferência de Propriedade de Embarcação na Marinha. Após, era conferido prazo para apresentação da documentação definitiva à Agência.
O voto consignou que os servidores da GAN foram instruídos sobre o teor do parecer jurídico e consequente “ajuste” do procedimento, i.e., para fins de comprovação a transferência da embarcação fica consumada, tão somente, com a chancela definitiva da Marinha do Brasil.
No caso em apreço concluíram os Diretores da Agência, por unanimidade (o Diretor Eduardo Nery acompanhou o voto-vista), que a transferência atendeu as normas e os entendimentos técnicos vigentes à época, sem embargo da ressalva em atenção à modificação do procedimento para análises futuras.
Fato é que a RN nº 5/16 não discrimina quais os documentos aptos à comprovação da transferência. A interpretação do normativo, assim, deve ser cotejada entre o arcabouço legal e o entendimento técnico da Agência.
A premissa ora adotada pela Agência, aliás, não destoa do estabelecido pela Lei nº 7.652/1988, senão vejamos:
“Art. 4º A aquisição de uma embarcação pode ser feita através de sua construção ou de outro meio regular em direito permitido, mas a transmissão de sua propriedade só se consolida pelo registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos ou órgão subordinado.
Art. 5º Ao proprietário da embarcação será expedida a Provisão de Registro da Propriedade Marítima ou o Título de Inscrição depois de ultimado o processo de registro ou de inscrição.
Art. 9º O pedido de registro da propriedade de embarcação, inicial ou por transferência, bem como o da averbação da promessa de compra e venda, será feito pelo adquirente, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, contados da data: (...)
III - do ato translativo da propriedade ou, no caso de promessa de compra e venda, do direito e ação.
Art. 33. Os atos relativos às promessas, cessões, compra e venda e outra qualquer modalidade de transferência de propriedade de embarcação sujeitas a registro serão feitas por escritura pública, lavrada por qualquer tabelião de notas. ”
Doravante, para a ANTAQ, a comprovação da transferência da embarcação dar-se-á por meio do ato translativo realizado por escritura pública e posterior registro na Capitania dos Portos ou, para o caso de a embarcação possuir arqueação bruta superior a cem toneladas, no Tribunal Marítimo.
Estando devidamente registrada a embarcação em conformidade com os dispositivos acima – escritura pública e registro na Capitania dos Portos ou Tribunal Marítimo, a depender do porte -, cumpre à empresa de navegação (alienante e adquirente) informar à ANTAQ a alteração de sua frota mediante o envio da documentação comprobatória, para o fim de atender o disposto no artigo 16, §2º da Resolução nº 5/2016.
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[1] Art. 2º Acolher a sugestão apresentada no parecer jurídico da Procuradoria Federal junto à ANTAQ (PFA) e determinar à área técnica que verifique se o procedimento previsto para a transferência da embarcação "Sealion Amazônia" para a frota da empresa OCEANPACT SERVIÇOS MARÍTIMOSS.A. observou os normativos previstos.
[2] Art. 16. Ao iniciar a operação, a EBN deverá informar à ANTAQ, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, toda embarcação brasileira empregada pela empresa nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso e, para tanto, a EBN deverá encaminhar à ANTAQ, no que couber, os documentos listados no § 1ºdo art. 5º desta Norma. (...) § 2º A inclusão ou alienação de embarcação deverá ser comunicada por meio de envio de cópia de documentação comprobatória. (grifamos)
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