top of page
Cobranças derivadas de ato ou falta próprios do armador. Análise regulatória. Eximente de responsabilidade do usuário

Cobranças derivadas de ato ou falta próprios do armador. Análise regulatória. Eximente de responsabilidade do usuário

B20 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 24

Bem sabemos que cobranças impostas em detrimento dos usuários do transporte aquaviário, por vezes, acontecem sem o necessário “liame causal” que justifique a exigência. Se, por um lado, não é legítimo “demonizar” todas as cobranças, por outro é necessário que exista alguma delimitação para evitar excessos e desequilíbrios.

Esse é o papel do ente regulador, que aos poucos e dentro de sua alçada técnica vem atacando algumas incongruências cometidas contra os usuários. Parece óbvio que estes – os usuários – não podem ficar à mercê de cobranças derivadas de faltas operacionais causadas pelos próprios transportadores. Assim, atrasos e supressões de escalas jamais poderiam servir de supedâneo para majorar as cobranças. Não obstante, algumas práticas insistentes no setor mostram quão necessária é a intervenção da Agência Reguladora.

No Processo nº 50300.014513/2021-24 a requerente, empresa exportadora, reportou que os dias excedentes de armazenagem decorreram da incúria do armador, que teria se equivocado e deixado de embarcar a carga no navio programado. Dado o erro, o exportador teve que embarcar os contêineres 42 dias depois do embarque originariamente programado.

Nos termos do voto da Diretora Relatora Flavia Takafashi, “o fato gerador do atraso no embarque das cargas que ensejou a cobrança de armazenagem adicional fora originado por confusão do próprio armador que, após a "rolagem" do booking, teria emitido um BL (Bill of Lading) como se a carga tivesse sido devidamente embarcada, quando efetivamente não tinha sido”.

A Superintendência de Regulação classificou como negligente a conduta do armador, incorrendo na infração capitulada no artigo 27, inciso II da Resolução Normativa nº 18/ANTAQ (descumprimento dos critérios de serviço adequado).

Além de conhecer a denúncia formulada pela empresa exportadora, a decisão, seguida pelos demais diretores, deferiu o pedido cautelar para determinar que, tanto o terminal, como o armador, se abstenham de adotar qualquer medida restritiva ao usuário, tais como o bloqueio das operações de embarques, a inscrição da dívida no SERASA e/ou o protesto do título referente ao valor da dívida, até que a Agência delibere definitivamente a respeito do feito.

Aqui tomamos a liberdade de ampliar a importante análise da ANTAQ para os casos de detention. O raciocínio não difere, pois não é incomum que o usuário seja surpreendido com a contabilização de dias de sobre-estadia, nos quais sua carga já está entregue livre e desembaraçada no terminal de embarque.

É conhecido o mandamento da ANTAQ, que delimita o marco para a cobrança da sobre-estadia na exportação: “A responsabilidade do usuário, embarcador ou consignatário pela sobre-estadia termina no momento da devida entrada do contêiner cheio na instalação portuária de embarque...” (art. 21, RN18/2017).

Logo, qualquer cobrança que suplante o marco estabelecido na norma em referência não pode ser contabilizada em desfavor do usuário. Outrossim, se a cobrança advém abarcando período ao qual o próprio armador deu causa, maior razão ainda para se coibi-la, sendo vedado “cobrar do usuário ou do embarcador as despesas pela armazenagem adicional e outros serviços prestados em decorrência do não embarque das cargas no prazo previamente programado... – multa de até R$100.000,00” (art. 30, VI, RN18/2017).

A prática ocorrente com a detention, portanto, em nada difere do enfrentamento realizado no processo em comento. Trata-se, igualmente, de cobrança muitas vezes gerada pela própria desídia do armador (cancelamentos e atrasos em suas programações de embarques), que termina ainda se valendo de sua falta operacional para desferir uma indevida cobrança ao usuário.

A decisão em análise representa o avanço institucional da ANTAQ no enfrentamento de cobranças eminentemente decorrentes de lapsos do próprio armador. Espera-se que esse olhar técnico e necessário esteja cada vez mais acurado e em sintonia com o usuário, para eliminar as muitas distorções ainda presentes no mercado.

Para uma melhor experiência na leitura, considere ler o boletim no formato PDF, através do botão localizado no início da página.

bottom of page