O SISCOSERV veio para fazer do serviço aquilo que o SISCOMEX trouxe para o comércio de bens, ou seja, fiscalizar as operações do comércio exterior sob a ótica da prestação de serviço.
Mapeando-as com o propósito primário do controle fiscal – entrada e saída de serviço –, via de consequência, sucede o voraz intuito arrecadatório.
O assunto trouxe certo burburinho para o setor de transporte marítimo, de sorte que, enquanto prestadores de serviço, viram-se na mira de uma nova enxurrada de autuações para as hipóteses de descumprimento da obrigação acessória de prestar informações à Receita Federal do Brasil sobre tais transações (Portaria RFB/SCS nº 1.908/12 e IN/RFB nº1.277/12).
Algumas vozes já foram levantadas de forma favorável à obrigatoriedade de se prestar informações acerca das transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variação no patrimônio. A Solução de Consulta nº 257, de 26 de setembro de 2014 – COSIT trouxe verdadeira cartilha esclarecedora para os agentes de carga prestadores e/ou tomadores de serviços.
Pois bem. Antes e sobretudo de adentrar ao mérito em si desta obrigação acessória de prestar informações à RFB, necessária a avaliação prévia das normas instituidoras do SISCOSERV.
A Lei nº 12.546/11, dentre outros assuntos, trouxe no artigo 25 a obrigatoriedade de se prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variação no patrimônio.
Por sua vez, seu art. 27 (Lei nº 12.546/11) estabeleceu que o Ministério da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior emitiriam as normas complementares para o cumprimento do mister.
Com base então na Lei nº 12.546/11, o Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB nº 1.277/12, instituindo a obrigatoriedade de se prestar informações relativas às transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio, por meio de sistema eletrônico a ser disponibilizado no Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte (e-CAC) da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
O art. 3º da IN/RFB nº 1.277/12 fixou os prazos para cumprimento da prestação de informação, revistos posteriormente pelas IN/RFB nº 1.298/12, IN/RFB nº 1.336/13, IN/RFB nº 1.391/13 e IN/RFB nº 1.526/14. Em sequência (art. 4º da IN/RFB nº 1.277/12), estabeleceu-se que a não prestação de informação incorreria em multa de R$5.000,00.
Em ato de “generosidade”, o Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil, por meio das IN/RFB nº 1.409/13 e IN/RFB nº 1.336/13, reduziu o valor da multa para R$500,00, R$1.500,00 e R$100,00 (apresentação extemporânea), de R$500,00 (não atendimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal) e 3,5% ou 1,5% sobre o valor das transações comerciais ou das operações financeiras (por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas).
Feito este “raio x” do SISCOSERV, a questão é: poderia o Sr. Secretário da Receita Federal instituir multa por meio de Instrução Normativa?
A resposta é pela negativa. A IN/RFB nº 1.277/12 é um ato administrativo, emanado no caso, por órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, vinculado ao Poder Executivo. A atividade típica do Executivo é administrar a coisa pública. Legislar é função atípica que somente o faz por meio de Medida Provisória (art. 62 da CF/88).
Dentro desta premissa, se a autoridade máxima do Executivo, ao disciplinar assunto por meio de Medida Provisória, deve submeter de imediato ao Congresso Nacional (Poder Legislativo) para sua conversão em lei (art. 62, §3º da CF), pergunta-se: Que dirá da pretensão de um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda disposto a fazê-lo sozinho?
O art. 5º, inciso XLVI da CF/88 estabelece que a lei regulará a multa. A feição das infrações e sanções penais é a mesma das infrações e sanções administrativas. O que as distingue é única e exclusivamente a autoridade competente para impô-la (1).
Da mesma forma, a Constituição Federal estabelece que a Administração Pública direta e indireta dos poderes da União obedecerá o princípio da legalidade (art. 37, caput), sendo que “tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos” (2).
Nem se objete afirmar que a IN/RFB nº 1.277/12 estaria assentada a disciplinar sobre multa a pretexto do art. 2º do Decreto-Lei nº 1.718/79 c/c art. 9º do Decreto-Lei nº 2.303/86.
A ginástica legislativa respaldada em colcha de retalhos é o próprio reconhecimento de que inexiste lei a reger sobre multa pelo descumprimento de prestar informação ao SISCOSERV. Tanto o Decreto-Lei nº 1.718/79 como o Decreto-Lei nº 2.303/86, ambos institutos, disciplinam sobre o auxílio na fiscalização dos tributos sob a administração do Ministério da Fazenda.
A lei instituidora do SISCOSERV (Lei nº 12.546/11) tem por finalidade a prestação de informações relativas às transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.
Em outras palavras, a finalidade da lei que instituiu o SISCOSERV (art. 26 da Lei nº 12.546/11) visa a coleta, o tratamento e a divulgação de estatísticas, no auxílio à gestão e ao acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, intangíveis e às demais operações.
Da mesma forma, nenhuma das hipóteses prevista pela Lei nº 10.833/03, que deu nova redação ao art. 107, inciso IV do Decreto-Lei nº 37/66, teria o condão de fazer subsistir a aplicação da multa, dada a ausência da tipicidade (3) de se “prestar informação relativas às transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados”.
Retomando o mérito da obrigação acessória de prestar informações no SISCOSERV, disse-se que a Solução de Consulta nº 257, de 26 de setembro de 2014 – COSIT trouxe a fórmula para os agentes de carga – quer quanto prestadores, quer quanto tomadores de serviços – cumprirem a obrigação. Grosso modo tem-se:
Atuando o agente de carga como consolidador (NVOCC), simultaneamente, será prestador e tomador de serviço de transporte. Na posição de prestador de serviço de transporte, a obrigação de prestar informação no SISCOSERV surge somente quando o tomador (importador/exportador) for residente ou domiciliado no exterior. E na posição de tomador surgirá a obrigação somente quando o transportador efetivo for domiciliado no exterior.
Atuando o agente de carga como desconsolidador (art. 3º da IN/RFB nº800/07), não é, ele mesmo, prestador do serviço de transporte. Mas é prestador (ou tomador) de serviços auxiliares conexos ao serviço de transporte, quando o faz em seu próprio nome.
Atuando o agente de carga como representante do importador/exportador – transitário ou freight forwards (art. 37, §1º do Decreto-Lei nº 37/66), não é tomador ou prestador de serviço de transporte, uma vez que age em nome de seus representados. Mas será prestador ou tomador de serviços auxiliares, quando o fizer em seu próprio nome. Por consequência, é do exportador ou importador (residente ou domiciliado no Brasil) a obrigação de informar no SISCOSERV a tomada do serviço de transporte junto a prestador residente e domiciliado no exterior.
Dentro deste contexto, se, de um lado, a obrigação de prestar informação no SISCOSERV é devida, por outro, o seu descumprimento – por ora e enquanto subsistir a ausência de lei (sentido estrito) a regular o assunto – não é apto a gerar multas com base na própria IN/RFB nº 1.277/12.
1. Heraldo Garcia Vitta, in A Sanção no Direito Administrativo, Malheiros, 2003, p. 30. 2. Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2007, p. 817. 3. “As normas sancionadoras devem ser redigidas com a suficiente clareza e precisão, dando justa notícia a respeito de seu conteúdo proibitivo”. Fabio Media Osório, in Direito Administrativo Sancionador, Ed. RT, 2000, p. 211.
Autor: Fernando Moromizato Jr.