A liderança da União Europeia vem imprimindo sua marca ao mundo: apresentou a “conta” do Brexit à Ministra May, desafiou a política externa do Presidente Trump na questão climática, e agora puniu a multimilionária americana Google pelo cometimento de conduta anticoncorrencial.
Para melhor entender, a denúncia contra a Google reportou à Comissão Europeia a prática de abuso de posição dominante, porque no site de buscas da Google haveria um tratamento diferenciado nos anúncios quanto se tratassem de produtos de outros fornecedores.
Relembrando, a ferramenta de buscas Google notabilizou-se no mundo pelo desenvolvimento de um mecanismo que possibilita a alguém encontrar um endereço eletrônico devido ao ranking formado pelo critério de acessos – e não apenas pelo critério monetário do interessado – conferindo o respeito e a credibilidade dos usuários. No entanto, o alvo da Comissão não foi este mercado, mas sim o mercado secundário em que a Google atua: o de vendas de produtos pelo site de buscas, por meio do Google Shopping, criado em 2013.
Nas indústrias de rede, uma das empresas ocupa a posição dominante por deter o controle sobre a infraestrutura, estabelecendo-se assim uma relação de dependência empresarial entre a dominante e as demais empresas que necessitam dessa estrutura para a prestação de serviços. Por isso se entende que o acesso às estruturas essenciais é um direito das empresas concorrentes e uma garantia à promoção da liberdade de escolha, da competitividade e da inovação.
O tema das estruturas essenciais em indústrias de rede vem sendo largamente apreciado em litígios envolvendo grandes empresas, como no caso da Microsoft, que outrora se recusou a partilhar a informação de interoperabilidade no mercado de sistemas operacionais para clientes PC.
Voltando ao caso Google, segundo apurou a Comissão, foi identificado que produtos de outras empresas receberam menor visibilidade no site de buscas quando em comparação com os mesmos produtos vendidos pela Alphabet, empresa coligada à própria empresa de buscas. Em média, produtos anunciados por outras empresas somente apareciam após a quarta página de buscas, a despeito desse rebaixamento contrariar a posição de alta procura que os rivais ocupavam no mercado. Por isso, em decisão de junho de 2017, foi imposta a penalidade de multa à empresa, no montante de cerca de 2,4 bilhões de euros. A Google afirma que irá recorrer da decisão.
Nos fundamentos da decisão condenatória, encontramos o seguinte (tradução livre): “(...) normas antitruste da UE estabelecem responsabilidades específicas para as companhias em posição dominante. Elas não podem abusar de sua posição de força no mercado para dificultar a competição no mercado relevante em que exercem dominação ou em qualquer outro mercado. Em outras palavras, não é permitido que abusem de seu poder em um mercado fazendo com que isto dê a elas uma vantagem em outros mercados”.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ou CADE, vem defendendo o mesmo ponto de vista, de que não basta a posição de dominância para haver a infração. É preciso ainda que esta posição de dominância seja praticada com abuso, ou seja, quando por mecanismos estranhos à eficiência produtiva e ao bem estar dos consumidores, a dominância sirva como mero instrumento para prejudicar a competitividade e a livre concorrência no mercado relevante, inclusive, quando essa influência vier a se estender a mercados considerados secundários.
Recordando que, no Brasil, o CADE é o responsável por decidir sobre a existência de infrações à ordem econômica e concorrencial, sendo também conhecido como o “Tribunal Antitruste”.
O CADE é pessoa jurídica autônoma, devido ao seu enfoque específico e às prerrogativas que possui por lei. Por isso, poderá atuar por denúncia contra empresas em casos de formação de cartéis e outras infrações, mesmo quando estas empresas pertencerem a setores econômicos sob regulação, como no caso das telecomunicações, do petróleo ou dos transportes.
No Poder Judiciário, há o julgado do Superior Tribunal de Justiça, envolvendo a Anatel, o CADE e as empresas na indústria de comunicações, litígio pela cobrança devido à tarifa de interconexão entre os operadores das redes existentes. No final, reconheceu-se o abuso nessas cobranças, por sua influência sobre os preços finais aos usuários e pelo prejuízo à concorrência e à livre iniciativa (REsp nº 1.275.859, de novembro de 2012).
A decisão de Bruxelas pode servir como um importante paradigma ao Brasil pois, como conclui, o que essa decisão nos mostra é que (em tradução livre) “(...) companhias devem competir com base no mérito, independentemente se operam online ou nas ruas, se são europeias ou não (...) Nunca haverá um passe livre para se deixar de competir com base no mérito, nem no mercado dominado, nem em outros mercados. [Google] Fez um mal à competição e aos consumidores. Isso é ilegal sob as leis antitruste da UE. E é por isso que hoje tomamos esta decisão. Assim, os consumidores da Europa poderão desfrutar plenamente dos benefícios da competição, da escolha natural e da inovação”.
Por isso, caso a visão europeia venha a influenciar o Poder Público aqui no Brasil ou caso se tratem de mercados estrangeiros na UE, é preciso avaliar o aspecto antitruste como um fator de risco aos negócios, outrossim quanto aos mercados regulados.
Autor: Luis Felipe Carrari de Amorim.