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IMPACTO DO CORONAVÍRUS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO PODERÁ MOTIVAR BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL

Atualizado: 26 de out. de 2022


Ao final do dia 17 de março de 2020, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, despachando pedido realizado pelo Instituto de Defesa ao Direito de Defesa, entendeu pela necessidade de o plenário da corte se pronunciar sobre a crise do COVID-19, que poderá chegar ao sistema penitenciário. Contudo, chamou a atenção o fato de o Ministro, ao negar seguimento ao pedido de tutela provisória, “conclamar” juízos de execução a “a analisarem, ante a pandemia que chega ao País – infecção pelo vírus COVID19, conhecido, em geral, como coronavírus –, as providências sugeridas, contando com o necessário apoio dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais”.

Antes de analisarmos as medidas “sugeridas” pelo Ministro, analisemos em breve introito o quadro pandêmico inédito em nossa jovem democracia.

O COVID-19, doença causada pelo chamado Novo Coronavírus, espalha-se rapidamente pelo globo. Isso motivou a Organização Mundial de Saúde a declarar que essa expansão, diante do grande número de países atingidos, configura uma pandemia.

Segundo aquele órgão internacional, a doença se expande por meio do contato com pessoas infectadas através partículas desses vírus expelidas pelo infectado, que podem se dar com o contato por objetos e superfícies, com maior chance de dissipação em aglomerações[1].

No Brasil foram confirmados, até a edição deste texto, 370 casos da doença, havendo a projeção de que o Covid-19 poderá se propagar até 4.000 casos nos 15 dias após o 50º contaminado[2].

Pensando na situação do sistema prisional do nosso país, os efeitos do novo coronavírus aos custodiados do Estado poderão ser devastadores. Isso porque, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o sistema carcerário vive um estado de coisas inconstitucional[3]. O país conta com uma população carcerária de 750 mil presos, com apenas 354 mil vagas, uma proporção de mais de dois presos por vaga.

Essa situação ocorre em um sistema prisional que não consegue garantir o direito fundamental à saúde aos custodiados pelo Estado. No estado de São Paulo, que concentra a maior população carcerária do país, Ministério Público e Defensoria Pública tiveram que pleitear judicialmente que o executivo local cumprisse as normas básicas de atendimento de saúde em unidades prisionais[4]. Em Roraima, a OAB local denunciou a situação de presos que tiveram partes do corpo deformadas por bactéria[5].

É evidente que essa superlotação estimula a proliferação de doenças infectocontagiosas, não sendo diferente com o coronavírus.

Diante desse quadro, é inevitável que o Poder Judiciário revise a política de encarceramento em massa presentes na realidade penal brasileira e faça valer os dispositivos da legislação que possibilitam o cumprimento alternativo de penas e prisões cautelares.

E esse movimento teve um início tímido, mas esperançoso.

Em Minas Gerais, Executivo e Judiciário editaram Portaria Conjunta para que todos os presos que cumprem pena em regime aberto e semiaberto possam seguir para prisão domiciliar[6]. No Rio Grande do Norte foi anunciado pelo Tribunal de Justiça local que seriam locados novos equipamentos de monitoramento eletrônico (tornozeleiras) para que os presos nos regimes aberto e semiaberto pudessem cumprir suas penas em destacamento domiciliar[7].

O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, publicou a Recomendação nº 62/2020, recomendando, entre outras medidas, que magistrados responsáveis por processos que tratam de atos infracionais deem preferência à aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto, que magistrados criminais considerem a reavaliação das prisões provisórias para grupos de risco, a suspensão de apresentação periódica em juízo para pessoas em liberdade provisória ou em suspensão condicional do processo, bem como considerar a "máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva"[8].

Diante de todo esse cenário, o Ministro Marco Aurélio apresentou “sugestões” (não vinculantes) aos magistrados de instâncias inferiores, sendo elas:

a-) a concessão de liberdade condicional a presos com idade igual ou superior a sessenta anos;

b-) b) regime domiciliar aos soropositivos para HIV, diabéticos, portadores de tuberculose, câncer, doenças respiratórias, cardíacas, imunodepressoras ou outras suscetíveis de agravamento a partir do contágio pelo COVID-19;

c) regime domiciliar às gestantes e lactantes

d) regime domiciliar a presos por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça;

e) substituição da prisão provisória por medida alternativa em razão de delitos praticados sem violência ou grave ameaça;

f) medidas alternativas a presos em flagrante ante o cometimento de crimes sem violência ou grave ameaça;

g) progressão de pena a quem, atendido o critério temporal, aguarda exame criminológico; e

h) progressão antecipada de pena a submetidos ao regime semiaberto

As medidas caminham bem, mas é preciso fazer mais. É preciso que se dê caráter vinculante, coercitivo a essas recomendações,

Para o preso cautelar, os requisitos do artigo 318 do Código de Processo Penal não são cumulativos. Assim, presente a hipótese do inciso II (debilidade extrema por motivo de doença grave), poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

Entendemos, entretanto, que, mesmo que o preso provisório não esteja com a doença constatada, havendo um quadro epidêmico no estabelecimento prisional em que está recolhido e diante da notória impossibilidade do Estado em prover a conservação de sua saúde, é razoável a substituição da medida cautelar pela prisão domiciliar em casos de suspeitos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.

Para o preso em cumprimento de pena, ainda que o artigo 117 da LEP apenas preveja a prisão domiciliar para o condenado em regime aberto, poderá a medida ser determinada nas mesmas hipóteses ao condenado em regime fechado, diante de situações excepcionais onde comprovada a impossibilidade de assistência médica no estabelecimento em que cumpre a pena, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça[9].

Por fim, dada a gravidade da situação da doença e a necessidade de adoção de medidas rápidas e efetivas, essas providências poderão ser determinadas pelos tribunais superiores mediante a impetração de habeas corpus coletivo, tal como já admitido pelo Supremo Tribunal Federal[10].

Espera-se, assim, que o Poder Judiciário atue para o controle da situação de forma mais rápida e efetiva do que as medidas adotadas pelos executivos locais e federal no trato do Covid-19.

[3] STF. Plenário. ADPF 347. Rel. Min. Marco Aurélio. j. 09/09/2015. DJ 14/09/2015.

[9] STJ. Sexta Turma. HC 358.682/PR. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. J. 01/09/2016. DJe 12/06/2016.

[10] STF. 2ª Turma. HC 143.641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. J. 20.02.2018. Info 891

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