A natureza - salarial ou indenizatória – de determinadas gratificações pagas pelo empregador sempre suscitou debates nas esferas administrativa e judicial. Com a evolução da jurisprudência, salvo raras exceções, como é o caso dos “hiring bônus” e das “luvas” dos atletas profissionais [2], o critério da periodicidade passou então a nortear a sua fixação. Isto é, uma vez constatada a habitualidade no pagamento de determinada verba, indicava-se a sua natureza salarial; verificada a eventualidade, e inexistente o prévio ajuste, apontava-se o seu caráter indenizatório.
Tratou a Lei nº13.467/17 de alterar sensivelmente esse panorama. Primeiramente, a expressão “gratificações ajustadas” foi eliminada do §1º do artigo 457, que trata da integração de determinadas parcelas ao salário, como as gratificações legais e as comissões. Por segundo, passou o §2º do mesmo dispositivo a estipular que os prêmios, ainda que pagos habitualmente, “não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.
Nos exatos termos do §4º do artigo 457 da CLT, consideram-se prêmios, para efeitos legais, tão apenas as “liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”. Perceba-se, pois, que a exclusão da parcela do complexo remuneratório, e consequentemente da base do salário de contribuição, encontra-se condicionada à presença da liberalidade, constituindo o pagamento um ato discricionário do empregador.
Com isso, temos que a “excludente” não alcança os prêmios ajustados contratualmente, tais como os bônus anuais ou a remuneração variável atrelada a performance do empregado. Afinal, ao invocar a liberalidade, o legislador faz expressa referência àquela concessão espontânea, inesperada. Até mesmo por esse motivo, advertimos que a prévia fixação de metas individuais e/ou coletivas deve ser tratada com extrema cautela, de modo a jamais configurar uma promessa e, assim, elidir o elemento “imprevisibilidade”.
Justificando o alerta, e de forma a demonstrarmos a quase certa inclinação dos Tribunais em admitir como prêmio tão apenas o pagamento que não tenha sido de maneira alguma acordado, mostrando-se indiferente para tanto a formalização ou não do ajuste, invocamos o teor da Súmula 152 do TST, pelo qual consagrado o entendimento de que “O fato de constar do recibo de pagamento de gratificação o caráter de liberalidade não basta, por si só, para excluir a existência de ajuste tácito”.
Em idêntico sentido, a Receita Federal, por meio da Coordenação-Geral de Tributação fez publicar no Diário Oficial da União (ed. de 21/05/2019 - seção 1, página 32) a Solução de Consulta COSIT nº 151, pela qual Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias:
são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos aos segurados contribuintes individuais;
não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens e serviços;
não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador;
devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado.
Além de reforçar o caráter espontâneo, de liberalidade, do pagamento, a Receita estabelece obrigação não contida no texto legal, que é aquela atrelada à necessidade de demonstração dos critérios de aferição do "desempenho superior" do empregado beneficiado.
Impende destacarmos, também, a atenção concedida pelo órgão ao período de vigência da Medida Provisória nº 808/17, compreendido entre 14 de novembro de 2017 e 22 de abril de 2018, dentro do qual o prêmio por desempenho superior, para ser excluído da base de cálculo das contribuições previdenciárias, não pode exceder ao limite máximo de dois pagamentos ao ano.
De forma a concluirmos esta breve exposição, reforçamos que, nos precisos termos do artigo 9º da CLT, serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista. Ou seja, o prêmio não pode se prestar a disfarçar o pagamento de salários; deve, sim, ser utilizado como legítima ferramenta de incentivo e reconhecimento profissional. Assim sendo, temos que a análise do caso concreto sempre se pautará pelo princípio da primazia da realidade.
[1] Texto atualizado originalmente publicado na Revista Digital "Direito do Trabalho em Foco", 1ª edição, disponível em https://www.miller.adv.br/edicao-1
[2] Nota: quanto aos “hiring bônus” e “luvas” dos atletas profissionais, o TST firmou entendimento, anteriormente à reforma legislativa, de que, apesar de se tratarem de parcelas pagas em valor único, a sua natureza é salarial, porém com repercussão limitada sobre os demais encargos trabalhistas e previdenciários.