Há algum tempo o abandono de cargas nos portos brasileiros vem trazendo significativos prejuízos aos principais atores das operações portuárias: terminais (recintos alfandegados) e transportadores marítimos. Em 2009, ano de forte recessão mundial, o problema só se agravou. Em 2010, o quadro não foi alterado. Apesar dos claros sinais de recuperação e do bom momento vivido pelo Brasil no cenário internacional, o volume de cargas apreendidas em nossos portos continua em crescimento exponencial.
Os terminais seguem com os seus pátios congestionados e veem suas operações prejudicadas, ao passo que as companhias marítimas têm seus contêineres paralisados, restando impossibilitadas de atender a outras demandas. Em que pese os esforços das respectivas Alfândegas, com destaque para a do Porto de Santos – que tem promovido leilões mensais, ainda insuficientes –, o procedimento de controle aduaneiro é deveras moroso e não acompanha o volume de cargas apreendidas ou abandonadas.
O assunto foi parar nos Tribunais.
As companhias marítimas recorrem ao Poder Judiciário, buscando tutela que ordene aos terminais a desova imediata das mercadorias em perdimento, acondicionadas em seus contêineres, e a entrega de tais cofres, entendendo que o contrato de transporte se consuma com a respectiva descarga no porto de destino.
Os terminais, por suas vezes, responsáveis por assegurar as operações de movimentação e armazenagem de mercadorias sob controle aduaneiro – “essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais” (art. 237, CF) –, têm o seu nobre espaço como matéria prima e não podem arcar com o ônus de necessárias áreas para operações voltadas para cargas em perdimento. Além disso, enquanto depositários das mercadorias sob processo de perdimento, os terminais portuários respondem por sua integridade, e esta a razão para a autoridade alfandegária delegar a eles a avaliação sobre a sua desunitização.
Diante desse quadro, algumas observações.
Tendo em vista que o importador, arcando com todos os ônus relativos à sua inércia, pode iniciar o respectivo despacho de importação mesmo durante o processo de perdimento (art. 643, Regulamento Aduaneiro), é fato que a sua relação com o transportador marítimo permanece íntegra, somente se encerrando com a entrega efetiva da carga ou, nos casos previstos na legislação aduaneira, com o término do procedimento administrativo/fiscal e a consequente aplicação da pena de perdimento, momento em que as mercadorias importadas saem da sua esfera de disponibilidade e passam a integrar a da União.
Frise-se, ainda, que todo o prejuízo oriundo da impossibilidade momentânea de explorar economicamente seus contêineres faz parte do risco inerente à atividade do transportador marítimo, que é quem escolhe o cliente e frete. Tanto é verdade, que eventual prejuízo pelo período no qual o contêiner permaneceu à disposição do importador poderá ser pleiteado sob o título de sobre-estadias (demurrage).
Por outro lado, sendo certo que os terminais portuários, no momento em que obtêm o alfandegamento, já destacam determinada área para o depósito de mercadorias em perdimento, o aumento significativo desse volume e a necessidade de condições especiais para a armazenagem de carga “solta” (desunitizada) são fatos que acarretam gravames irreparáveis ao setor.
O Poder Judiciário, demandado por vezes para analisar o pedido de liberação de uma única unidade de carga, vem garantindo aos terminais portuários o poder discricionário de decidir se a carga pode ou não ser desunitizada; impedindo desta forma a transferência deste ônus, contratualmente arcado pelos transportadores marítimos.
Ora, sendo o espaço a matéria prima dos recintos alfandegados, existe um limite para a armazenagem de mercadorias em perdimento, levando-se em consideração, principalmente, a viabilidade comercial planejada e o equilíbrio contratual previamente estabelecido com o poder concedente (autoridade portuária).
Como resolver esse impasse? Aqui, apenas algumas sugestões.
A postura adotada pelas Alfândegas no sentido de aumentar o número de leilões revela-se imprescindível, mas encontra limites nos extensos prazos previstos para o procedimento de controle prévio, além do excesso de formalismo presente no próprio processo administrativo/fiscal de perdimento.
A redução dos referidos prazos e a simplificação dos procedimentos são medidas necessárias à solução do problema ora narrado. Como exemplo, podemos sugerir a citação via despachante aduaneiro, providência que traria maior agilidade aos respectivos procedimentos aduaneiros, garantido o contraditório.
Além disso, no intuito de diminuir os prejuízos oriundos da realidade fática aqui exposta, o repasse imediato dos valores referentes às armazenagens de cargas em perdimento, após os leilões, é medida legal que se impõe.
Thiago Miller e Rafael Ferreira, advogados, Advocacia Ruy de Mello Miller, especializada em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro. www.miller.adv.br