Nos últimos anos houve significativa ampliação do número de estudantes matriculados em curso superior no Brasil, sendo que boa parte desse aumento ocorreu pela criação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), programa do governo federal disciplinado pela Lei nº 13.530/2017, que tornou o acesso à educação superior mais acessível à população de baixa renda.
Como consequência do número elevado de pessoas atendidas por esse programa, há um valor expressivo de controvérsias jurídicas a respeito do FIES. Muitas das principais questões que envolvem a matéria chegaram ao Superior Tribunal de Justiça, que firmou entendimentos sobre vários aspectos do programa, inclusive no âmbito de julgamento de demandas repetitivas.
O primeiro entendimento[i] afirma que, por se tratar de ente público, não podem os créditos obtidos por meio do programa serem objeto de penhora, conforme elenca o artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Além disso, por fazer parte de uma relação específica, não poderá o FIES acompanhar as restrições do mercado consumerista e nem a este se equiparar, sendo inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento da Segunda Turma em julgamento do RESP 1.031.694[1].
Outra questão discutida pelo STJ é referente à legalidade da exigência de fiador nos contratos do FIES. Em julgamento no RESP 1.155.684, representativo de controvérsia, a Primeira Seção afirma que a necessidade do fiador não contraria a natureza social do projeto, posto que não é fator que dificulta o ingresso do estudante no programa[ii].
Neste mesmo julgamento ressaltou-se que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de não admitir a capitalização dos juros nos contratos do FIES, pois, em se tratando de crédito educativo, não há norma expressa que a autorize[iii], incidindo o enunciado da Súmula 121 do STF[iv].
No julgamento do Mandado de Segurança nº 19.751 o STJ decidiu que, ao requerer transferência de faculdade no decorrer do curso, a aluna beneficiária do FIES deveria optar por instituição que tivesse aderido ao FGEDUC (Fundo Garantidor de Crédito Educativo), uma vez que o contrato previa que esta seria a garantia. Entendeu o STJ, portanto, que não há ilegalidade em condicionar a transferência da aluna à adesão da nova faculdade ao FGEDUC.
Por fim, referente à possibilidade de concessão de novo financiamento pelo aluno que já foi beneficiado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança nº 20.169, entendeu que não se trata de um direito absoluto, porquanto tal procedimento é vedado tanto por lei, como por norma editada pelo Ministério da Educação (MEC).
Conclui-se que muitas das controvérsias relativas ao FIES que chegam ao Poder Judiciário já possuem entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, o que é um caminho rumo à segurança jurídica tanto dos alunos beneficiários do programa, que presta relevante serviço à sociedade ao garantir acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, quanto às instituições de ensino.
[1] “Quanto à aplicabilidade do CDC aos contratos de crédito educativo, tenho mantido o entendimento de que o CDC não se aplica a tais contratos, por não se tratar de um serviço bancário, mas de um programa do governo, custeado inteiramente pela União”, afirma a ministra Eliana Calmon
[i] Número de processo não divulgado em razão de segredo judicial. Julgado pela Terceira Turma, com relatoria da Min. Nancy Andrighi.
[ii] Tema 349 – STJ.
[iii] Tema 350 – STJ.
[iv] “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.