O ano de 2015 foi pontuado por polêmica decisão do Tribunal Pleno do TST (processo nº TST-ArgInc-0000479-60.2011.5.04.0231) que implicou a substituição da Taxa Referencial (TR) pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E) como índice de correção monetária aplicada aos débitos trabalhistas. Isso porque, a despeito de ter sido proferida em Incidente de Inconstitucionalidade, ou seja, no exercício do chamado controle difuso de constitucionalidade, motivou ofício ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho determinando a adequação da “tabela única” utilizada para atualização dos créditos, conferindo-lhe, pois, inusitado efeito erga omnes.
Naquele mesmo ano, entretanto, o Ministro Dias Toffoli deferiu pedido liminar formulado em Reclamação Constitucional direcionada ao STF (Reclamação nº 22.012 MC/RS) e suspendeu a ordem que determinara a adequação da “tabela única”, isso sem prejuízo ao regular trâmite da ação trabalhista que desaguou no já citado Incidente de Inconstitucionalidade. Em outras palavras, embora juízes e Turmas não estivessem, em tese, impedidos de proferir decisões em idêntico sentido, certo é que, naquele momento, garantiu-se que os efeitos do julgamento do TST ficassem restritos àqueles litigantes.
Apesar de não possuir tal abrangência, a ordem liminar exarada pelo STF acabou, na prática, por barrar a enxurrada de decisões determinando a adoção IPCA-E às ações/execuções em andamento, provocando o “restabelecimento” da Taxa Referencial (TR) como índice “oficial” para atualização dos débitos trabalhistas, posição reforçada pela Lei nº 13.467/2017, que acrescentou o §7º ao artigo 879 da CLT. Todavia, o risco de substituição do critério ressurgiu com o julgamento da Reclamação Constitucional nº 22.012.
No último dia 05, a 2ª Turma do STF, por maioria de votos, julgou a Reclamação IMPROCEDENTE, sustando, por consequência, os efeitos da ordem liminar proferida. Prevaleceu o entendimento de que a decisão do TST, ao invocá-lo por arrastamento, não desrespeitou o julgamento da Excelsa Corte que tratara da inaplicabilidade da TR ao regime de precatórios - ainda resta pendente a redação e publicação do acórdão.
Parece-nos precipitado cravar o efeito prático da decisão e como se portará o TST no que concerne a um possível restabelecimento da ordem de adequação da “tabela única”, mormente após o advento do §7º do artigo 879 da CLT (que bem da verdade volta a fazer referência à Lei nº 8.177/1991, objeto do julgamento anterior). Cabe-nos, porém, apresentar-lhes a problemática e convidá-los à reflexão, já que a tendência aparenta ser justamente essa.
Antes mesmo do novo pronunciamento do STF e ainda que, no âmbito do TRT da 2ª Região (SP), sob a égide da Tese Jurídica Prevalecente nº 23, já nos deparamos com decisão favorável à aplicação do IPCA-E, conforme trecho de recente acórdão a seguir reproduzido:
5. Correção monetária. A correção monetária é devida a partir do vencimento da obrigação, conforme a Súmula 381 do TST. Embora o art. 39 da Lei 8177/91 estipule o índice TR para correção monetária, o STF, no julgamento das ADIs 4357, 4372, 4400, 4425 e 493, fixou o entendimento de que a TR não recompõe o valor monetário depreciado pela inflação, porquanto seus valores, predefinidos, não refletem a inflação do período. Na mesma decisão, o STF fixou que "fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E)".
5.1. Não há como deixar de cumprir essa decisão do STF - ou seja, de que a TR não expressa a correção monetária a partir de 25.03.2015 -, porque essa decisão tem efeito erga omnes e vinculante, a teor do disposto no art. 102, § 2º, da CF, deste teor: "§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."(grifos nossos)
5.2. Não atendida a função precípua da correção monetária de reconstituir o valor do crédito, depreciado pela inflação, haveria ofensa ao art. 882 da CLT, que garante a atualização do crédito do empregado, e o art. 389 do Código Civil.
5.3. Coerentemente com essa condição jurídica, o Eg. TST, em recente decisão do dia 20.03.2017 (TST, Tribunal Pleno, Processo ED-ArgInc - 479-60.2011.5.04.0231), declarou a inconstitucionalidade da expressão "eqüivalentes à TRD" do artigo 39 acima citado e definiu o IPCA como fator de atualização. E, no mesmo julgado, o TST concedeu efeito modificativo para "aplicar a modulação dos efeitos da decisão a contar 25/03/15, que coincide com a data que o Supremo Tribunal Federal reconheceu na decisão proferida na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.357".
5.4. A Tese Jurídica Prevalecente nº 23, deste Tribunal, propõe que "a TR continua sendo o índice aplicável para a atualização monetária dos débitos trabalhistas", mas não pode impedir a aplicação do IPCA-E a partir de 25.03.2015, que é o marco de modulação estabelecido pelo STF e já reconhecido pelo TST. A decisão do STF, repita-se, VINCULA os demais Órgãos do Poder Judiciário, contra o qual não há força jurídica na TJP nº 23. A modulação dos efeitos pelo TST foi publicada no DOE de 20.03.2017, enquanto que a TJP nº 23, deste Tribunal, é anterior (de 19.12.2016).
5.5. Pelo exposto, a TJP nº 23 deste Tribunal subsiste para o período anterior a 25.03.2015 e, a partir daí, a correção monetária respeitará a variação do índice IPCA-E, tal como determinam o STF e o TST.
(TRT 2ª Região, 6ª Turma, Processo nº RO – 1000948-07.2016.5.02.0446 – decisão publicada em 24/11/2017)
Ainda que o Tribunal Pleno do TST tenha, em março deste ano, modulado os efeitos de sua decisão para fixá-los a partir de 25 de março de 2015, ressaltamos que os débitos sujeitos à substituição da TR pelo IPCA-E poderão sofrer substancial acréscimo, afetando sensivelmente a provisão e orçamento das empresas. De se indagar, pois, se não é o momento de adoção de uma política de acordos mais efetiva/agressiva em casos estratégicos de maior impacto econômico e/ou que envolvam temas objeto de condenação rotineira, de modo a se evitar a possível repercussão daquela decisão.
ATUALIZAÇÃO:
Nesta quarta-feira (13/12/17), a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferiu seu primeiro julgamento após a decisão do STF na Reclamação nº 22.012. Como esperado, a decisão referendou a aplicação do IPCA-E (TST Proc. nº AIRR - 25823-78.2015.5.24.0091).
Autor: Juarez Camargo de A Prado