As recentes alterações legais, tanto processual civil, quanto trabalhista, trouxeram à baila questões a respeito da possibilidade de aplicação de multa por litigância de má-fé a terceiros que não as partes do processo, sobretudo, advogados e testemunhas.
Seria possível, assim, condenar ao pagamento de multa por litigância de má-fé, advogado que se insurge em audiência de instrução, quanto à questões ligadas ao depoimento colhido? E a testemunha, pode-lhe ser aplicada multa, a depender das informações prestadas? Analisemos.
Consoante referido anteriormente, as legislações processual civil e trabalhista sofreram alterações, no que concerne aos destinatários da multa por litigância de má-fé, tendo sido incluída a figura do “interveniente” – artigo 79 do CPC e 793-A, da CLT. A grande questão é quem estaria apto a ser considerado interveniente no processo.
Outrossim, é certo, ainda, que a penalidade em análise, no que concerne ao Código de Processo Civil, figura na Seção II, cujo título é “Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual”. A questão é controvertida, sem qualquer dúvida.
Relativamente à testemunha, é de se ter em conta que, antes de ser colhido depoimento, esta presta compromisso com a verdade, sob pena de ser-lhe imposta penalidade legal – o falso testemunho é crime tipificado em lei, no artigo 342 do Código Penal.
Sendo assim, entendemos que, em sendo possível condenar a testemunha criminalmente, é plenamente possível aplicar-lhe a penalidade prevista na legislação processual civil, afinal de contas, quem pode o mais, pode o menos.
O dever de lealdade e a boa-fé processual encontram-se previstos no artigo 5º, do Código de Processo Civil, e devem ser observados por todos os agentes processuais – partes, advogados, testemunhas, juízes, etc. Por óbvio, portanto, que a testemunha que incorre em qualquer das hipóteses do artigo 80 do referido diploma processual civil, bem como do artigo 793-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, deve ver-se advertida e apenada, nos termos da lei.
Especificamente no que concerne ao advogado como destinatário da condenação, no entanto, é de se considerar que a aplicação da penalidade em comento exorbita o previsto no ordenamento jurídico pátrio, sendo evidente caso de ativismo judicial, ou, a depender da situação, abuso de autoridade.
Isto porque, em que pese a existência, tanto no diploma processual civil, quando no trabalhista, de autorização dirigida ao juiz, relativamente à aplicação de multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição, mantém-se assegurada, aos advogados, a sujeição exclusiva ao disposto no estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94).
A referida lei ordinária é responsável pela garantia dos direitos fundamentais dos defensores técnicos, devendo ser observada quando se trata do exercício dos misteres da advocacia, com vistas à proteção da ampla defesa, do contraditório e do próprio Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, tem-se que, nos termos do artigo 7º, inciso X, da Lei nº 8.906/94, constitui direito expresso do advogado a utilização da palavra, mediante intervenção “pela ordem”, para esclarecer equívoco ou dúvida, surgidos em relação a fatos, documentos ou afirmações que possam ter influência no julgamento da lide.
Outrossim, é de se ter em conta que a garantia de intervenção do patrono, no intuito de defesa de direitos de seu cliente, afina-se com outra disposição da supracitada Lei nº 8.906/94, qual seja, a inexistência de hierarquia nem subordinação entre advogado em magistrado.
Utilizada, portanto, a intervenção, “pela ordem”, o patrono não necessita aguardar que a palavra lhe seja conferida, mesmo porque, em caso de espera, pode-se perder o momento de realizar determinada colocação, havendo risco de operar-se preclusão do direito da parte.
Importa considerar, ainda, que, no exercício de sua profissão, e do mister defensivo que o instrumento de procuração lhe confere, o advogado tem o dever de aplicar todos os meios e cautelas – válidos e lícitos – na busca do melhor interesse de seu cliente. Para tanto, não pode ser detido por receio de incorrer em impopularidade, ou mesmo desagradar magistrado ou autoridades, nos termos do previsto no artigo 31, §2º, da Lei nº 8.906/94.
De todo o modo, vale, aqui, lembrar a lição de Nelson Nery Jr.: “A norma veda ao litigante ou interveniente agir de modo temerário ao propor a ação, ao contestá-la ou em qualquer incidente ou fase do processo. Proceder de modo temerário é agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (...) O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (...) A mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza a lide temerária, mas sim a imprudência grave e a imperícia fruto de erro inescusável, que não permite hesitação do magistrado em considerar ter havido má-fé (...) o litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe indevida” [1]
Assim, a mera intervenção, por parte do advogado, bem como a mera confusão, por parte da testemunha, a respeito de detalhes envolvidos na ação em que presta depoimento, não podem ensejar a aplicação de multa por litigância de má-fé. Como é de notório conhecimento, este tipo de punição deve ser utilizada como última “racio”, não se podendo admitir a banalização da aplicação das penalidades previstas em lei.
Por fim, resta pendente a análise específica da competência da Justiça do Trabalho, relativamente à apuração de conduta temerária, por parte do advogado, com condenação por litigância de má-fé.
A esse respeito, o artigo 32, parágrafo único, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), é claro: somente poderá ser condenado advogado, sob fundamento de que litigante de má-fé, de maneira solidária ao cliente, por meio de ação própria, a ser distribuída na Justiça Comum.
A citada norma, consoante se depreende, exige condenação do advogado por dolo ou culpa no exercício profissional em ação própria, não sendo possível falar-se em apuração incidental de conduta temerária do patrono, no âmbito de uma reclamação trabalhista.
Trata-se, pois, de incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, a aplicação de multa por litigância de má-fé a causídico, uma vez que há legislação específica a prever foro para apuração desse tipo de situação.
Tem-se, assim, que é expressamente vedado ao magistrado condenar o patrono da parte, ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos mesmos autos do processo em que praticada a conduta tida como ilícita. Nessa hipótese, pode, o advogado, requerer seja-lhe prestado desagravo público, por parte da autoridade coatora, nos termos do artigo 7º, inciso XVII, da Lei nº 8.906/94.
Não se pode dizer o mesmo em relação à multa dirigida à testemunha, na medida em que, tendo a conduta ilícita sido praticada nos autos da reclamatória, cabe ao juiz competente a aplicação da penalidade cabível, até mesmo com a reversão do montante em favor da parte prejudicada.
Ante todo o considerado, pode-se concluir que é, sem dúvida, dever do magistrado zelar pela correta utilização dos meios judiciais, devendo, quando necessário, punir condutas temerárias e atentatórias. A legislação confere poderes para tanto. Todavia, há que se observar limites à utilização de tais expedientes, sobretudo, a razoabilidade, a proporcionalidade e a própria lei.
[1] NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 185;