Temos acompanhado nos últimos meses os desdobramentos do Procedimento Promocional - “PROMO” - n. 210/2016, ação investigatória iniciada ex officio pelo Ministério Público do Trabalho em Santos-SP para verificar o panorama geral das jornadas de trabalho no Porto. Este artigo, com natureza mais informativa do que técnica, se dedica a historiar resumidamente a tramitação do “PROMO n. 210/2016” e lançar apontamentos sobre aquilo que reputamos como o principal dilema dos Operadores: assinatura de TAC-Termo de Ajuste de Conduta ou enfrentamento de ACP-Ação Civil Pública?
O foco da fiscalização aqui abordada se voltou para o pessoal Vinculado, para os Funcionários dos Operadores Portuários (tanto operacionais quanto administrativos). Tratou-se de iniciativa diferenciada em termos de atuação do MPT, pois via de regra os Inquéritos e demais Procedimentos instaurados pelo Parquet Trabalhista nascem por provocação a partir de notícias de fato e peças de informação em geral: denúncias feitas por Trabalhadores ou Sindicatos, ofícios denunciadores expedidos pela Justiça do Trabalho, Relatórios de Fiscalização encaminhados pelo Ministério do Trabalho etc.
As investigações do MPT-Santos em matéria de jornada laborativa no Trabalho Portuário não são novidade, mas o “PROMO n. 210/2016” inovou ao interpelar todos os Operadores Portuários de Santos num só Procedimento. Expondo os motivos que conduziram à abertura do Procedimento, o Procurador-oficiante fez as seguintes considerações em despacho datado de 26/04/2016:
“Considerando o notório aumento das movimentações de cargas no Porto de Santos que, no ano de 2015, atingiu a marca de 119,931 milhões de toneladas, com crescimento de 7,9% em comparação com 2014;
Considerando que para a realização da movimentação de mercadorias, o operador portuário poderá se valer de mão de obra própria, com vinculo empregatício a prazo indeterminado ou utilizar mão de obra avulsa administrada pelo OGMO (art. 32, inciso I, da Lei n. 12.815/13)
Considerando a crescente contratação de trabalhadores portuários com vínculo empregatício pelas operadoras portuárias e terminais de uso privado;
E, por fim, considerando que a intensificação do trabalho e a consequente realização de jornadas extraordinárias podem ser algumas das causas que contribuem para o crescimento da movimentação de cargas no Porto de Santos, entendo ser conveniente apurar a observância das regras atinentes à jornada de trabalho previstas nos arts. 58, 59, 60 e 61, da CLT.
Assim sendo, determino:
1 - Autue-se Procedimento Promocional, vinculado ao 49 Oficio Geral de Santos, com o título JORNADA DE TRABALHO NO PORTO ORGANIZADO DE SANTOS e com o tema 5.2.2 — Trabalhador Portuário;
2 - Oficie-se à COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO - CODESP requisitando, no prazo de 15 (quinze) dias, relação nominal de todas as operadoras portuárias compreendidas na área do Porto Organizado de Santos”
Os Operadores foram individualmente notificados para apresentação dos controles de jornada referentes ao período de agosto/2015 a agosto/2016, e tal documentação passou por análise do MPT-Santos com o escopo de detectar inconsistências nas jornadas de trabalho; principalmente quanto aos limites diários e ao intervalo interjornada (hiato mínimo de 11 hs entre uma jornada e outra, que sobe para 35hs quando somado ao DSR).
Nos últimos anos o processo de apuração documental por parte do MPT tem sido revolucionado pela evolução dos sistemas informatizados, com destaque para o SREP - Sistema de Registro Eletrônico de Ponto. Se antigamente o MPT levava dias, semanas ou até mesmo meses para verificar pilhas de papel (às vezes por mera amostragem), na atualidade os dados eletrônicos permitem que a fiscalização seja realizada quase que instantaneamente; de forma muito rápida os Procuradores conseguem ter em mãos planilhas que identificam, “de A até Z” (e não mais por amostragem), toda e qualquer irregularidade nas jornadas de trabalho.
Munido de extratos que apontavam a situação de cada Operador, o Procurador-oficiante passou a designar audiências para oitiva das Empresas e apresentação de proposta de TAC-Termo de Ajuste de Conduta (ou TCAC, Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta). Uma extensa pauta de audiências foi realizada entre outubro/2016 e dezembro/2016, período no qual a situação da maioria dos Operadores foi definida pelo próprio Procurador que abriu a investigação. No mês de dezembro/2016 o referido Procurador se transferiu para outra unidade do MPT, oportunidade na qual o “PROMO n. 210/2016” foi encaminhado à análise de outro Membro do MPT-Santos.
Aos 13/12/2016 sobreveio despacho com narrativa sobre os resultados do Procedimento e definições relacionadas ao futuro das questões pendentes. No tocante aos resultados, os Operadores foram nominalmente enquadrados em quatro categorias principais:
1) Operadores que tiveram a investigação arquivada porque os controles de jornada não apresentaram excessos relevantes do ponto de vista coletivo (vale lembrar que a fiscalização abordou apenas o período de agosto/2015 a agosto/2016);
2) Operadores que firmaram TAC;
3) Operadores que rejeitaram proposta de TAC e foram acionados em ACP-Ação Civil Pública;
4) Operadores que já estavam respondendo a Procedimentos próprios, individuais, motivo pelo qual não foram inseridos no PROMO n. 210/2016.
Em termos de futuro, ficou determinado que os Operadores com situação indefinida passassem a ser investigados através de Procedimentos individuais (razão pela qual foram distribuídas Notícias de Fato em janeiro/2017). O despacho em referência determinou, por último, o arquivamento do “PROMO n. 210/2016” sob a justificativa de que houve “cumprimento integral da finalidade do procedimento promocional”.
Esse arquivamento se efetivou, mas as sementes plantadas seguem germinando... Independentemente da situação em que cada Operador se encontre, a preocupação com essa espécie de investigação do MPT envolve dois pontos sensíveis em termos de passivo trabalhista: o valor das multas por futuros excessos de jornada e a dimensão pecuniária do “dano moral coletivo”, que serve como uma espécie de reparação pelo passado. E são justamente essas duas questões que apresentam variação mais drástica na comparação entre o TAC e a ACP. De forma geral a pretensão nuclear do MPT não muda no TAC ou na ACP, pois ambos preveem obrigações de fazer ligadas ao cumprimento dos limites legais de jornada. A comparação entre minutas de TAC e petições inicias de ACP revela que as condições principais perseguidas pelo MPT são as mesmas: que a Empresa se abstenha de exigir ou permitir a prática de jornadas acima dos limites legais, conceda os intervalos previstos em Lei, respeite o descanso semanal remunerado etc.
Essas questões principais são invariáveis, pois decorrem de previsão legal expressa e se revestem de natureza indisponível e intransigível. O MPT não pode firmar TAC ou ajuizar ACP abordando limites inferiores àqueles que constam na legislação, especialmente na CLT e na Constituição Federal.
Por outro lado, a imposição de multas por descumprimento das obrigações de fazer (astreintes) e a exigência de indenização por dano moral coletivo (punitive damages) podem variar substancialmente. Trata-se de questões acessórias sobre as quais o Procurador possui ampla margem de discricionariedade, com possibilidade aberta de negociação.
Atualmente é muito sólido no meio jurídico o entendimento de que o MPT está autorizado a negociar as condições para cumprimento da obrigação principal (tempo, modo, lugar etc). Embora não lhe seja lícito deliberar sobre os patamares mínimos de jornada laboral previstos em Lei (ponto principal), o MPT possui a prerrogativa de calibrar os pontos acessórios: incidência ou não de indenização por dano moral coletivo, valor das multas por descumprimento, concessão de prazo para adequação (em situações que não envolvam risco imediato à sobrevivência, saúde e segurança), definição de excepcionalidades que a Lei deixa em aberto etc.
HUGO NIGRO MAZZILLI preleciona que “O tomador do compromisso de ajustamento, em troca da obrigação assumida por parte do causador do dano, não pode dispensar, renunciar ou mitigar outras obrigações legais do compromitente; pode, entretanto, estipular termos e condições de cumprimento das obrigações (modo, tempo, lugar etc)”[2]. A Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho (CCR-MPT) tem se posicionado reiteradamente no sentido de que “Dispõe o Órgão Oficiante da faculdade de, a seu critério e com motivação lançada, aceitar proposta de redução ou até mesmo de isenção da multa” (trecho da Orientação n. 8 lançada pela CCR-MPT - grifamos). Eis o teor do Enunciado n. 11, aprovado pela CCR-MPT em 25/02/2015:
“EXECUÇÃO DE TAC/ACP. No processo de execução de TAC ou ACP o Procurador oficiante, no exercício de sua independência funcional e de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade, poderá renegociar prazos e condições de cumprimento das obrigações principais, bem como o valor da multa respectiva, inclusive para dispensá-la parcial ou integralmente, quando o interesse público assim o exigir e a medida se revelar oportuna e compatível com as metas do Ministério Público do Trabalho” (grifamos - Fonte: http://www.mpt.gov.br/ccr/atas/mostraAta.php?cod_info=8881)
No plano concreto essa autonomia acaba sendo exercida de modo bem particular por cada Procurador, que molda as condições acessórias conforme as peculiaridades do caso sob análise. O desfecho do processo de negociação é determinado pela conjugação de diversos fatores técnicos: natureza das irregularidades verificadas, dimensão do grupo de Trabalhadores envolvido na celeuma, histórico e características da Empresa envolvida etc. Além disso, cabe destacar que a postura negocial da Empresa é determinante no processo de alinhamento de um TAC. Não são raras as situações em que as Empresas se fazem representar por Profissionais com pouca ou nenhuma experiência em Direito do Trabalho Administrativo e Coletivo, descuido este que resulta em processos negociais frustrados ou mal finalizados com o MPT, gerando a propositura precoce de ACPs ou TACs demasiadamente onerosos. Quando se trata de Trabalho Portuário essa expertise se revela ainda mais necessária.
Vivemos tempos de atolamento do Poder Judiciário e de crescente incentivo à conciliação; quanto a este último aspecto, é notório o destaque dado pelo novo Código de Processo Civil à autocomposição (resolução dos imbróglios pelas próprias Partes). Nesse contexto, o alinhamento extrajudicial de TAC junto ao MPT apresenta-se como importante via de solução. Dados colhidos entre os anos de 2005 e 2008 pela Procuradoria do MPT em São Paulo, Capital, revelaram notável crescimento do protagonismo dos TACs em face das ACPs. No referido lapso temporal foram firmados 2.014 TACs contra 39 ACPs propostas. Quanto ao cumprimento dos TACs, apenas em 15 deles foi necessária a propositura de execução judicial (menos de 1% do total)[3]. O baixo índice de execuções certamente é influenciado pelo fato de que os descumprimentos de TAC são submetidos a diálogo antes da cobrança judicial, com garantia de Contraditório e Ampla Defesa; a via autocompositiva prossegue ao longo da vigência do TAC, não se limitando ao momento de assinatura. É comum nos TACs a inserção de cláusula nessa direção, o que garante às Compromitentes a oportunidade de apontar eventuais falhas nos relatórios de fiscalização do MPT, além de negociar tempo e modo para quitação das multas.
Há previsibilidade no TAC, pois as cláusulas negociadas delimitam claramente as obrigações de fazer e de pagar. Isso pode ser considerado como uma vantagem sob o aspecto da segurança jurídica, pois no Judiciário não se sabe o que pode vir; a definição de quem perde ou ganha uma ACP é uma grande incógnita e, dependendo da solução, o resultado pode ser insatisfatório para ambas as Partes... Essa indefinição fica mais densa na abordagem do dano moral coletivo, tema dotado de alto grau de subjetividade com decisões que variam entre o indeferimento e a concessão na casa dos milhões de reais.
Ao apreciar ACPs relativas a excesso de jornada o Tribunal Superior do Trabalho já confirmou posicionamento no sentido de que “a inobservância reiterada da reclamada quanto ao cumprimento da legislação trabalhista no tocante à jornada de trabalho não submete a coletividade a uma situação indigna apta a autorizar a reparação por danos morais”. A partir de tal fundamentação a 5ª Turma do TST isentou a Reclamada de pagar indenização por dano moral coletivo em ACP movida pelo MPT (PROCESSO Nº TST-RR-1102-73.2010.5.03.0139).
Por outro lado, seguindo linha diametralmente oposta, o mesmo TST já decidiu num outro caso parecido que “A reparação por dano moral coletivo visa à inibição de conduta ilícita do Reclamado e atua como caráter pedagógico. Assim deve servir como meio apto a coibir a reiterada exigência de prestação de jornada extenuante e prevenir lesão a direitos constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que atinge a coletividade como um todo... Nesse contexto, é de se dar provimento ao Recurso de Revista para condenar o Reclamado a pagar o valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), a título de dano moral coletivo”. Esta decisão foi proferida pela 4ª Turma do TST (PROCESSO Nº TST-ARR-14900-80.2006.5.01.0080).
Conforme já adiantado em linhas anteriores, o dano moral coletivo e o valor da multa por eventual descumprimento (astreinte) são os fatores que mais variam entre o TAC e a ACP; as demais discussões costumam gravitar na órbita do que está previsto em Lei: limite de horas extras diárias, duração dos intervalos, periodicidade do descanso semanal remunerado etc. A existência de previsão legal expressa faz com que o debate fique restrito, pois, ao mesmo tempo em que o MPT não pode veicular num TAC patamares menores do que os assegurados em Lei, o julgador da ACP também ficará adstrito às bases legais. Em outras palavras, discute-se estritamente o cumprimento dos limites legais.
Outro ponto que também pode variar é a definição de excepcionalidades que a Lei deixa em aberto, mais especificamente as situações nas quais será lícito estender a duração do trabalho até o limite de “12 (doze) horas” previsto no art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho. O referido dispositivo da CLT prevê que, “Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”. No âmbito de uma ACP a fixação do que seriam essas excepcionalidades fica em aberto; nas negociações de TAC, porém, há abertura para que situações específicas ligadas à realização das operações portuárias sejam reconhecidas para efeito do art. 61 da CLT.
Não se pode ignorar que as relações de trabalho no Porto são cercadas por questões específicas envolvendo valores históricos, ambientes de trabalho, atividades, pluralidade sindical, modalidades de operações, legislação específica, aspectos econômicos, usos e costumes etc. IVES GANDRA MARTINS FILHO já consignou que “O trabalho em portos organizados tem suas características próprias, considerando-se o funcionamento sem interrupção das atividades portuárias, a pluralidade de categorias profissionais envolvidas na operação e a legislação específica aplicável”[4]. Essa especificidade do Trabalho Portuário não pode ser desprezada, pois tal fator interfere diretamente nas demandas judiciais e extrajudiciais relativas ao tema. Nos termos do art. 21, inciso XII, alínea “f”, da Constituição Federal, e dos arts. 1º, 4º, 8º e 66 da Lei n. 12.815/13 (revogadora da Lei n. 8.630/93), os Operadores Portuários são delegatários de serviço público.
É pública e notória a relevância das Operações Portuárias para o desenvolvimento do País. Trata-se de atividade de interesse nacional que, na condição de serviço público, deve seguir rigorosos padrões legais e contratuais de regularidade e eficiência.
A Lei n. 8.987/95 preceitua que “Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato”, e que “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (art. 6º). A realização rápida e ininterrupta das Operações Portuárias é indispensável para que o serviço seja “adequado”. Com efeito, eventuais paralisações em tal serviço provocam prejuízos em cadeia para o usuário e a economia nacional: descumprimento de contratos, perda de mercadorias, gastos extraordinários com deslocamento de navios e mercadorias, paralisação da indústria, perda de arrecadação para os cofres públicos etc. A imperatividade do funcionamento ininterrupto dos Terminais Portuários é prevista expressamente em norma da CODESP - Cia. Docas do Estado de São Paulo, Concessionária da União que administra o Porto Organizado de Santos. Conforme se extrai da Resolução DP n. 31/2005, os turnos de trabalho no Porto Organizado de Santos se desenvolvem (em regra) em quatro períodos de seis horas. A necessidade de não interromper as Operações Portuárias acaba acarretando, em determinadas situações, a “dobra” do turno (06:00hs + 06:00hs). Essa realidade peculiar do Trabalho nos Portos é chancelada expressamente na Lei n. 9.719/98, norma de caráter especial, que autoriza a realização da “dobra” em determinadas situações.
Ressalte-se, para fins de hermenêutica jurídica, que o art. 8º da referida Lei deve ser aplicado a todos os Trabalhadores envolvidos nas atividades de um Terminal Portuário, e não só aos Avulsos. A finalidade do referido dispositivo legal é assegurar a continuidade das Operações Portuárias, e tal objetivo engloba tanto Trabalhadores operacionais quanto administrativos. É inegável que a realização de Operações Portuárias se enquadra no conceito de “realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto” (art. 61, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho). FRANCISCO EDIVAR CARVALHO pontua, na obra “Trabalho Portuário Avulso antes e depois da Lei de Modernização dos Portos”[5], que:
“A possível prorrogação, por exemplo, de até 2 (duas) horas de labor ao final duma operação portuária, além das 2 (duas) horas extras pactuadas em convenção coletiva de trabalho, excepcionalmente, se enquadra na hipótese do art. 61 consolidado, o qual prevê que a duração do trabalho poderá exceder do limite legal ou convencionado para atender à conclusão de serviço inadiável, já que os navios que aportam podem sofrer, durante ou ao final da operação portuária, imprevistos, a comprometerem sua partida”
Tudo o que foi dito sobre a segurança jurídica do TAC não afasta, porém, uma reflexão sobre a problemática envolvida no seu prazo de duração. Diferentemente do que ocorre com TACs firmados em outros ramos do Ministério Público, os compromissos fechados com o MPT adotam como regra a indeterminação de prazo para vigência. A principal justificativa que o MPT utiliza para sustentar tal postura é o fato de não haver vigência determinada para o cumprimento da legislação trabalhista, que vigora indeterminadamente; tendo em vista que o núcleo principal dos TACs envolve exatamente os limites legais, o MPT entende que não deve ser pré-estabelecido um termo para encerramento da avença.
Na prática o MPT costuma fiscalizar reiteradamente o TAC até que seja verificado o cumprimento por dois ou três anos seguidos. Certificando-se de que as cláusulas foram respeitadas em tal período de tempo, o MPT arquiva provisoriamente o TAC e volta a fiscalizá-lo apenas sob provocação. Cabe registrar que em alguns TACs a predeterminação de prazo já vem sendo admitida, com previsão de arquivamento definitivo após certo período de cumprimento reiterado (geralmente dois anos consecutivos).
Há quem diga que o TAC é “um caminho sem volta”, “uma bola de ferro presa aos pés da Empresa” etc. Realmente não é simples resilir ou anular um TAC, e a discussão sobre o tema é latente. HUGO NIGRO MAZZILLI assevera: “Como se desconstitui o compromisso de ajustamento de conduta? Tendo em vista sua natureza negocial, o compromisso de ajustamento de conduta se desconstitui pelas mesmas vias com que foi feito, ou por via judicial, pelos vícios do ato jurídico em geral. Por via consensual, pode ser recompromissado, desde que advenha fato novo, ou se o causador do dano aceder em ampliar suas próprias obrigações em proveito do grupo lesado”[6]. Emerge desse respeitável posicionamento doutrinário que, a exemplo de outros negócios jurídicos, o TAC pode ser alterado, resilido ou anulado.
Pelo Tribunal Superior do Trabalho tramitou um leading case que escancarou o nível de complexidade da matéria. No mesmo julgamento surgiram três correntes diversas entre os Ministros, que se dividiram entre as concepções de que (1) cabe denúncia vazia da Compromitente para encerrar um TAC, (2) que o TAC vigora de modo perene e não pode ser encerrado pela vontade da Compromitente e, por último, (3) que cabe o encerramento do TAC em determinadas hipóteses como, por exemplo, “a demonstração da conduta exemplar da empresa que passe a cumprir as obrigações trabalhistas ou a superveniência de situação que o torne inexequível, entre outras, a depender de cada caso examinado” (trecho do Voto vencedor, que contou com apoio parcial do Subprocurador-Geral do Trabalho presente à sessão de julgamento).
Outro ingrediente relevante nessa análise é a previsão, em norma interna corporis do MPT, da seguinte possibilidade de modificação do TAC: “Quando o Órgão oficiante reputar ineficaz para restaurar a ordem jurídica o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta por ele celebrado ou por membro diverso, ou quando surgirem fatos novos modificando significativamente as situações fática ou jurídica, deverá indicar em despacho fundamentado os defeitos imputados ao instrumento, as medidas que considera necessárias para saná-los, bem como a proposta retificadora do TAC, ou para sua anulação, remetendo os autos à Câmara de Coordenação e Revisão que decidirá a matéria, homologando a retificação ou ratificando o instrumento primevo”.
O que foi tratado nos últimos parágrafos se refere ao termo final (ad quem) do TAC mas cabem, também, alguns apontamentos sobre o termo inicial (a quo) do compromisso. Geralmente as cláusulas do TAC passam a vigorar a partir da data de assinatura, mas é possível negociar um prazo de tolerância, “vacatio”. Na ACP essa vigência imediata também pode acontecer no caso da concessão de tutela provisória. Entretanto, a ausência de concessão de liminar posterga indefinidamente o início de eventual obrigação. Vale lembrar que o TST já se posicionou no sentido de que, por disposição expressa da Lei da Ação Civil Pública, não cabe execução provisória de multas e indenizações; valores cuja exigência só poderá ocorrer após o trânsito em julgado de decisão condenatória. Esta questão do termo inicial, somada à possibilidade de improcedência que é inerente ao “jogo aberto” de qualquer demanda no Judiciário, acaba pesando na decisão de algumas Empresas sobre assinar ou não um TAC.
Feitas essas considerações, que espelham uma pequena parte do conhecimento que temos acumulado sobre a matéria, encerramos este artigo com um quadro comparativo que sintetiza a situação de TACs e ACPs no âmbito do “PROMO n. 210/2016”:
Autor: LUCAS RÊNIO DA SILVA. Sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller com atuação especializada na Área Trabalhista Sindical, Coletiva e Portuária. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela USP (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Largo São Francisco). Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Coautor do Livro "Direito Portuário - Regulação e Trabalho na Lei n. 12.815/13". Palestrante convidado no Congresso Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário 2016 do Ministério Público do Trabalho, CONATPA.
[2] - O Inquérito Civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ps. 319 e 320.
[3] - Fonte: http://www.trtsp.jus.br/html/tribunal/MAGISTRATURA/especializacao.htm.
[4] - Proc: RR - 1443/2002-022-09-00 – Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho – publicação: DJ - 16/05/2008.
[5] - São Paulo : LTr, 2005 - pág. 83.
[6] - COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: evolução e fragilidades e atuação do Ministério Público Revista de Direito Ambiental, vol. 41, p. 93, Janeiro/2006, DTR\2006\25.