O consentimento para tratamento de dados pessoais
Num cenário caótico, em que o tráfego de informações acontece de forma cada vez mais desenfreada, descontrolada, a garantia à autodeterminação informativa deve ser interpretada como uma tentativa do legislador de devolver ao titular o controle sobre os seus dados pessoais.
A figura que, certamente, melhor expressa essa iniciativa dentro da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD) é a “cláusula de consentimento”, que nada mais é do que uma livre e inequívoca manifestação de vontade, emanada pelo titular, que autoriza o tratamento de dados pessoais por terceiros para atendimento de uma finalidade específica, e que pode ser revogada a qualquer tempo (art. 8º).
A par desse entendimento, cabe questionarmos se a “cláusula de consentimento”, em sua essência, mostra-se compatível com o contrato de trabalho.
(In) Compatibilidade com o Contrato de Trabalho
Em linhas gerais, entendemos pela incompatibilidade da cláusula de consentimento com o contrato de trabalho.
Sua execução, pela natureza da relação, por suas próprias características, em algum momento vai exigir o tratamento de dados pessoais do empregado; seja para o cumprimento de uma obrigação legal, como a troca de informações com órgãos de fiscalização ou abertura de contas vinculadas ao FGTS; seja para a concessão de direitos ao trabalhador, como o fornecimento de plano de saúde ou ticket refeição; seja para o atendimento a um legítimo interesse do empregador, como o controle de acesso às respectivas instalações.
O tratamento de dados pessoais é inerente ao próprio desenvolvimento da relação empregatícia. E não é só. Possui finalidade legítima, que é a de assegurar a execução do contrato.
Para que essa noção fique mais clara, propomos um exercício de raciocínio lógico, partindo de premissa inversa, em que o consentimento seria exigível: se num contrato em vigor, o empregado não consente com o tratamento de seus dados, ou revoga uma autorização anterior, o que acontecerá com essa relação? O contrato se extinguirá automaticamente pela impossibilidade de sua execução? Parece-nos que sim, porque outra solução não haveria. Mas, se condicionarmos a manutenção do contrato à presença do consentimento, não ficará essa manifestação maculada por um evidente vício de vontade?A resposta também tende a ser afirmativa, pois essa manifestação em nada diferirá de uma cláusula de adesão, portanto se afastando do espírito da Lei.
Com mais razão, nossa conclusão encontra amparo na própria LGPD. É que a “cláusula de consentimento” não é a única hipótese a legitimar o tratamento de dados pessoais por terceiros. Os artigos 7º e 11 elencam uma série de situações de dispensa da autorização do titular.
No contexto das relações de trabalho, vale citarmos: (i) o cumprimento de uma obrigação legal, (ii) a execução de contrato e procedimentos preliminares a pedido do empregado; (iii) o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral; (iv) a tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais de saúde; e (v) o atendimento aos interesses legítimos do empregador ou de terceiros.
Ressalte-se que algumas dessas hipóteses se aplicam mesmo para os dados pessoais sensíveis, categoria que goza de maior proteção legal.
Agora, é importante que se tenha um correto entendimento sobre dois pontos fundamentais, sobre os quais discorreremos a seguir.
Toda regra conta com uma exceção, assim como não exclui outra que com ela se compatibilize
Primeiro, da mesma forma que o contrato de trabalho envolve situações que, em regra, dispensam o consentimento, o empregador pode, excepcionalmente, deparar-se com outras que exijam sua presença.
Entenda-se da seguinte maneira: para cada dado, para cada base de tratamento de dados, deverá ser atribuída uma finalidade legítima. Se for possível o enquadramento desta finalidade em uma das hipóteses legais de dispensa, o consentimento não será exigido – o que no contrato de trabalho será a regra. Do contrário, o empregador deverá se acautelar por meio da obtenção de autorização do empregado, sendo que a negativa não poderá implicar qualquer impedimento para a continuidade do pacto.
O segundo aspecto para o qual chamamos atenção se refere ao fato de que a dispensa do consentimento ou sua obtenção não desobrigará o empregador de observar os princípios e demais diretrizes estabelecidas na LGPD. Pelo contrário.
O tratamento de dados pessoais deverá sempre se guiar pela boa-fé e princípios como "não discriminação", finalidade, adequação, necessidade, transparência, entre outros. Por conseguinte, dados sem propósito, abusivos, que sejam desnecessários para o atendimento da finalidade para a qual designados, ou colhidos para fins ilegítimos, deverão ser de imediato descartados.
No ensejo, o empregado terá que ser cientificado sobre os dados que serão tratados, por quem serão tratados, com qual finalidade, se serão compartilhados, com quem, de que forma e por quanto tempo... Enfim, deverá lhe ser garantida publicidade, bem como fácil acesso a toda informação relativa ao tratamento (transparência).
Seu negócio está preparado?
Inegavelmente, trata-se de um processo complexo, que exigirá o cumprimento de inúmeras etapas, inclusive preparatórias.
Empregadores necessitarão revisar os bancos de dados e adequar políticas e procedimentos internos, por meio de uma avaliação criteriosa, preferencialmente acompanhada de uma assessoria especializada.
O atendimento à novel legislação não é uma opção.
Seu negócio está preparado?
Esse artigo foi originalmente publicado na Revista Digital Direito do Trabalho em Foco - 4a. Edição. Clique aqui para acessar o conteúdo completo, que apresenta outros artigos elaborados por especialistas da RMM sobre os aspectos trabalhistas da LGPD.