“A meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: ‘Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar’. Todos nós, mulheres e homens, temos que melhorar.” (Chimamanda Ngozi Adichie)
Historicamente, homens e mulheres sempre ocuparam posições bem definidas na sociedade. Ao gênero masculino, usualmente, era destinada a tarefa de prover a prole, pelo que aos homens sempre foi conferida a possibilidade de atuação remunerada e construção de carreira. Às mulheres, por sua vez, cabia o cuidado com a família e com o lar, o trabalho remunerado e a carreira, dessa forma, nunca foram incentivados, sendo, por vezes, condenados.
Todavia, a evolução da sociedade levou à quebra desse paradigma.
As mulheres, em geral, ocupavam-se de atividades domésticas, em sua maioria, não remuneradas e, portanto, sem necessidade de análise jurídica. A partir de meados do século XIX e, sobretudo, no início do século XX, com a industrialização, bem assim, em decorrência das consequências econômicas e sociais das Grandes Guerras, verificou-se o aumento da participação feminina no mercado de trabalho.
A construção de um arcabouço legislativo, portanto, é recente. Mais ainda, em nosso país.
Assim sendo, não há dúvidas de que a regulamentação do trabalho feminino no Brasil ocorreu de maneira tardia e morosa, a despeito da cada vez maior ativação das mulheres em setores laborais. Suas atividades, por muito tempo, foram tratadas como sendo de classe inferior, ou ainda, desinteressantes ao direito.
As primeiras leis e decretos a regulamentar o trabalho feminino datam das décadas de 20 e 30 do Século XX. A Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em 1943, por sua vez, trouxe um capítulo inteiro a tratar do tema, qual seja, o Capítulo III, intitulado “Da Proteção do Trabalho da Mulher”.
A legislação trabalhista, na tentativa de acompanhar as mudanças sociais, foi se adaptando, por meio do incremento de dispositivos e previsões que visavam à “proteção” do trabalho da mulher. Entretanto, tal proteção foi dispensada, especificamente, à questão reprodutiva e familiar feminina e se tornou, em alguns momentos, motivo de discriminação e entrave para a contratação de mulheres.
Há quem diga que o tratamento diferenciado ao trabalho feminino, por parte da disciplina juslaboral, deva limitar-se às questões que envolvem a maternidade, sob pena de se estar criando situações de privilégio ou desigualdade. Entretanto, não se pode concordar com tal ponto de vista, na medida em que, evidentemente, existem diferenças estruturais na sociedade, no que concerne ao tratamento dispensado a homens e mulheres.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por sua vez, trouxe, em seu artigo 5º, “caput”, a determinação de que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. No inciso I, do referido artigo, há, ainda, previsão expressa da igualdade entre homens e mulheres, relativamente a direitos e obrigações.
É de notório conhecimento, todavia, que a participação feminina no mercado de trabalho não se dá sob as mesmas condições da masculina – muito em função da estrutura de nossa sociedade e dos preconceitos nela arraigados.
Ressalte-se, por exemplo, que a “divisão” social de tarefas, sobretudo aquelas relacionadas ao lar e à família, não foi muito alterada no decorrer dos anos, levando à verdadeira sobrecarga das mulheres, obrigadas a atuar em jornadas duplas, ou triplas, na maioria das vezes.
Conforme indica o suplemento Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, no ano de 2018, as mulheres gastaram, em média, 21,3 horas por semana com tarefas domésticas e cuidados com pessoas, o que representa o dobro do tempo gasto por homens nas mesmas atividades. Importa considerar, ainda, que, mesmo trabalhando fora, o gasto de tempo feminino com afazeres domésticos representa 8,2 horas a mais daquele empregado por homens na mesma situação.
Outra questão de necessária atenção é o fato de que as mulheres, ainda que, de maneira geral, contem com maior escolaridade, não recebem o mesmo tratamento dispensado aos homens, em especial, no que concerne à remuneração.
Nos termos do que se pode depreender de dados obtidos junto ao IBGE, no ano de 2018, a proporção de mulheres ocupadas, com ensino superior, era da ordem de 24,2%, enquanto que, o percentual de homens nas mesmas circunstâncias era de apenas 14,6%. Todavia, a diferença salarial entre gêneros é substancial: mulheres recebem, em média, salários 24,4% mais baixos que homens.
E, embora existam esforços, na tentativa de reduzir as disparidades, a situação do trabalho feminino e, principalmente, da participação das mulheres no mercado de trabalho, vem sofrendo deterioração.
Atualmente, o Brasil e o mundo se veem ora mergulhados em crise social e de saúde sem precedentes, iniciada no ano de 2020, deflagrada pela pandemia COVID. Em decorrência da desaceleração da economia mundial, muitos postos de trabalho foram cortados, o que impactou diretamente na participação feminina no mercado de trabalho – o menor percentual nos últimos 30 anos (Ipea, 2020):
“(...) destaca-se o fato de que os grupos com maiores chances de perder o emprego no início da crise são as mulheres e os jovens, cerca de 20%. No entanto, vale notar que, ao comparar com os anos anteriores, os jovens possuíam probabilidade bastante elevada em contraste com os adultos, e esta subiu cerca de 2 a 3 p.p. na crise. As mulheres sofreram uma elevação de 7 a 8 p.p. nas chances de perder o emprego. (...) Em outros termos, considerando o indicador de perda de emprego e os diferenciais associados às características individuais, observa-se que a crise econômica introduzida pela pandemia do novo coronavírus aprofundou algumas das desigualdades observadas no mercado de trabalho, pois aqueles que estavam em situação desvantajosa apresentam piores indicadores. Contudo, vale ressaltar que a deterioração foi ainda maior entre as mulheres.”
O dia 08 de março, atualmente “Dia Internacional da Mulher”, é marcado por uma tragédia, relacionada ao trabalho feminino, ressalte-se. Na referida data, no ano de 1857, ocorreu a primeira greve norte-americana exclusivamente conduzida por mulheres, que lutavam contra as condições desumanas de trabalho a que eram submetidas. Ao todo, 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton cruzaram os braços. Em represália, e a mando dos patrões, a polícia inviabilizou a saída das grevistas da fábrica, ateando fogo ao local em seguida. Todas as mulheres morreram, asfixiadas, posteriormente, carbonizadas.
A data, portanto, não é comemorativa, em termos de festividades, e deve ser tratada como lembrança eterna da luta por respeito e condições mínimas de trabalho por e para mulheres. É dia de luta por respeito e equidade.
Como bem ressaltado por Simone de Beauvoir: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes.”
BIBLIOGRAFIA
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras: 2015;
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Tradução Sérgio Milliet. - 2.ed. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009;
BRASIL. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Agência de notícias IBGE:
- https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/2012-agencia-de-noticias/noticias/24267-mulheres-dedicam-quase-o-dobro-do-tempo-dos-homens-em-tarefas-domesticas.html;
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2007;
OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho e família: rumo a novas formas de conciliação com corresponsabilidade social. Brasília: OIT, 2009;
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz e VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Mulheres em luta: a outra metade da história do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.