A aprovação da nova legislação sobre o manejo de resíduos sólidos traz dúvidas quanto ao início da implementação de suas disposições aos empreendimentos já devidamente licenciados. No cenário portuário, as dúvidas se reiteram, pois as autorizações ambientais para a operação dos empreendimentos portuários, conferidas antes da vigência da nova legislação, englobam o tratamento desses resíduos e possuem lapso temporal de validade.
O tema é envolvente, pois a questão ambiental vem se tornando cada vez mais presente nos discursos políticos e na opinião do povo. No entanto, é importante manter em vista os conhecimentos e as normas relacionadas ao ambiente.
O porto é empreendimento considerado potencialmente poluidor. Muito embora não se possa afirmar necessariamente que as atividades portuárias causem sempre poluição, pode-se todavia reconhecer o risco dessa ocorrência, ou seja, a probabilidade de repetição do evento poluição. Por isso, é fundamental que os empreendimentos portuários busquem a adequação às normas técnicas e jurídicas de segurança ambiental, visando assim conservar o entorno.
Com os olhos para o futuro, a expansão dos empreendimentos portuários é um imperativo e uma necessidade para a região da Baixada Santista. As riquezas geradas pela movimentação de cargas trazem benefícios diretos e indiretos à população. É de se reconhecer inclusive que o entrave à expansão portuária é o motor de efeitos negativos, como a recessão e a pobreza. A paralisação dos projetos de desenvolvimento dos empreendimentos portuários caminha em descompasso com o crescimento das cidades na região, reduzindo a produção no âmbito dos serviços em confronto com o aumento do consumo na sociedade.
Apesar das recomendações de redução do consumo, é pouco provável que este se reduza, contrariando assim as soluções apontadas pelos “futuristas ambientais” ou “catastrofistas ecológicos”. Portanto, a alternativa viável pode ser a melhora na qualidade do consumo, produzindo menor poluição ou degradação ambiental. Um exemplo é o acolhimento da separação de resíduos para a reciclagem a partir da iniciativa privada.
Sob a ótica do conservacionismo, as atividades portuárias podem expandir e se desenvolver, desde que seguidos os preceitos técnicos e jurídicos relacionados à viabilidade ou à sustentabilidade. Por sustentável entendemos o princípio essencial de que o desenvolvimento deve satisfazer as necessidades presentes sem descurar do necessário suporte à satisfação das necessidades das gerações porvir.
O reflexo institucional do controle estatal da expansão é o emprego do instrumento do licenciamento ambiental, que é a autorização concedida pelo Poder Público aos empreendimentos potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos ambientais a uma taxa significativa. O ato de licença ambiental é precedido de um procedimento administrativo, onde se inclui o estudo dos riscos e dos efeitos esperados da implantação da atividade. A licença ambiental portanto contém uma série de condicionantes à sua manutenção e que devem ser seguidas. Do contrário, a autorização poderá ser cassada.
E como as mudanças tecnológicas e sociais implicam novos padrões ambientais, pois decorrem de uma nova forma de atribuir valor aos fatos, as licenças emitidas não podem valer ad eternum. Têm prazo de validade. Após, devem ser renovadas. Por isso mesmo essa é uma relação rebus sic stantibus.
A necessidade de renovação das licenças traz consigo a imutabilidade das regras de funcionamento durante a sua vigência. O que proporciona a necessária segurança jurídica aos empreendimentos, que dimensionaram seus custos e receitas com base nessas regras.
As exceções para a regra da imutabilidade estão no descumprimento das condicionantes já definidas, na prestação de informações falsas ou mesmo na superveniência de fatos que tragam graves riscos ao ambiente. Porém, não abrangem o caso de novas condicionantes trazidas por legislação superveniente.
As novas regras sobre o manejo dos resíduos sólidos decorrem das mudanças tecnológicas e sociais que alteram os padrões ambientais. Sua incidência portanto sobre as licenças ambientais concedidas é ineficaz, pois não é permitido retroagir para alterar o ato administrativo que as concedeu. É preciso respeitar o tempo dos empreendimentos de adaptação às novas normas, o que é razoável no ensejo da renovação da licença, quando então poderão se exigir as novas regras e condicionantes.
Em síntese, na definição das restrições ao processo de expansão portuária sustentável é preciso ter os olhos no futuro, mas sem se esquecer da base presente de apoio, alicerçada sobre a segurança jurídica da imutabilidade das regras de funcionamento nas licenças emitidas, até o seu vencimento. Assim, a implementação da nova política sobre resíduos sólidos e das novas condicionantes só atingirá sua eficácia após o vencimento das licenças vigentes.
[1]Advogado, sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller, especializada em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro – www.miller.adv.br