A respeito das compras realizadas fora do estabelecimento comercial – sem contato direto com o produto - o Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu artigo 49, o direito de arrependimento ao consumidor, dando-lhe um prazo de até 7 dias – denominado de prazo de reflexão – para devolução da mercadoria, sem a necessidade de justificativa /ou pagamento de multa, bem como o direito ao recebimento dos valores já pagos, com atualização monetária.
Ressalta-se que referido ato não se trata de resilição unilateral, expresso no artigo 473 do Código Civil, tendo em vista que esta hipótese se refere a um inadimplemento absoluto causada pela vontade unilateral e imotivada da parte, ocasionando o pagamento de multas e eventual indenização.
O direito de arrependimento também não pode ser confundido com o vício do produto ou do serviço, conforme o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, ou com o descumprimento pelo devedor, tendo em vista que se tratam de hipóteses de desfazimento de contrato por justo motivo. Pelo contrário, o direito de arrependimento trata-se de condição resolutiva meramente potestativa e prevista em lei.
No entanto, diante do atual cenário nacional, foi promulgada a Lei nº 14.010/2020 que institui Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Referida lei traz, em seu artigo 8º[1], uma mitigação diante da situação excepcional da pandemia ao direito de arrependimento dado ao consumidor no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.
Em síntese, o artigo menciona que, no período de 10/06/2020 a 30/10/2020, as compras realizadas fora do estabelecimento comercial de produtos perecíveis, de consumo imediato ou medicamento, não poderão ser atingidas pelo prazo de reflexão.
A ideia do artigo 8º é proteger especialmente os fornecedores, diante da grave crise econômica que nosso país vive, bem como dos prejuízos que vêm sofrendo por conta das medidas restritivas que estão sendo adotadas por conta da pandemia do novo coronavírus. Neste sentido, o artigo 8º tem o intuito de trazer maior segurança econômica e jurídica ao fornecedor.
No entanto, poderia o legislador ter sido mais específico, ou seja, sem trabalhar com conceitos indeterminados, diante da nomenclatura de “produtos de consumo imediato”. Seria muito mais técnica a utilização de expressões já existente no CDC e consolidadas pela jurisprudência, tais quais: produtos duráveis ou não duráveis.
Referida crítica nasce diante da harmonia na relação de consumo, princípio basilar do Direito do Consumidor, ou seja, há a necessidade que a relação “consumidor x fornecedor” seja a mais clara e específica possível às partes, tendo em vista que conceituar produtos como de “consumo imediato” poderá ocasionar dúvidas e insegurança.
Assim como Landolfo Andrade[2], acredito que o artigo 49 do CDC poderá sofrer releituras ou alterações após o término da vigência da Lei nº 14.010/2020, principalmente para atender a realidade/modernidade a qual vivemos hoje - aumento exponencial das compras via internet ou delivery, por exemplo - ou seja, muito diferente da realidade vivia nos anos 90, época que foi publicado o Código de Defesa do Consumidor.
Ora, cada vez mais o direito de arrependimento torna-se inviável aos produtos perecíveis, por exemplo. Imagine que um indivíduo adquira um prato de comida por delivery e recebam produto em sua normalidade – caso contrário configuraria vício do produto, à luz do artigo 12 do CDC – mas, cerca de 6 dias depois, resolva devolver a compra sem justificativa, conforme permitido pelo artigo 49 do CDC: não se mostra razoável diante da deterioração do produto e acarreta prejuízo ao fornecedor.
Por último, cabe ressaltar que apenas os produtos considerados perecíveis, de consumo imediato e medicamentos que foram afetados pelo artigo 8º da Lei nº 14.010/2020 e em caráter transitório. Neste sentido, os demais produtos que não estão previstos no rol taxativo do referido artigo continuam sendo objetos ao direito de arrependimento à luz do artigo 49 do CDC.
No mais, cabe pontuar que o artigo 3º na Lei nº 14.010/2020[3] suspende os prazos prescricionais (caput) e decadenciais (§2º) até 30/10/2020 e, diante do caráter potestativo do direito ao arrependimento, o prazo de reflexão de 7 dias enquadra-se como decadencial, também paralisado.
Assim, o direito de arrependimento só poderá ser exercido em 06/11/2020 - retomada dos prazos em 30/10/2020 mais os 7 dias para reflexão. Claro, apenas se o produto estiver conservado, sem marcas de uso, uma vez que a abusividade diante do direito ao arrependimento configura ilícito civil, diante da violação à boa-fé objetiva.
[1] Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
[2] Direito de Arrependimento durante a pandemia do Covid-19. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z3786qzpX7M
[3] Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. § 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. § 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).