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Um ano de pandemia covid-19 na justiça do trabalho: onde estamos e para onde vamos?

Atualizado: 21 de nov. de 2022



A Lei nº 13.979 foi publicada no dia 06 de fevereiro de 2020. Assim, o Brasil está às vésperas de completar um ano mergulhado na pandemia COVID-19. Durante todos esses meses, houve grande efervescência legislativa, na tentativa de organizar a nova configuração imposta à sociedade, sobretudo, ao mercado de trabalho.


Neste momento, já não vivenciamos os estágios mais rigorosos de isolamento social. No entanto, o número de casos da infecção tem aumentado em larga escala, o que pode significar a necessidade, novamente, de suspensão das atividades presenciais, na tentativa de frear o avanço da doença.


Importa, dessa forma, analisar, de maneira breve, as soluções e os caminhos trazidos pela legislação, no campo trabalhista, bem como, sua aplicação e desenvolvimento neste período de um ano. Além disso, é possível estender o estudo para o futuro, na medida em que, acredita-se, o retorno à “normalidade” ocorrerá de maneira lenta e gradual, acompanhando o esperado arrefecimento da pandemia.


MARCOS LEGISLATIVOS


A anteriormente citada Lei nº 13.979 trouxe, em seu bojo, ampla gama de medidas emergenciais de saúde pública para o enfrentamento da pandemia gerada pelo COVID-19. Logo em sequência, em 11 de março de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 356, a regulamentar e operacionalizar as disposições insertas na lei ordinária anteriormente citada.


No dia 20 de março de 2020, foi publicada a Medida Provisória nº 926, que, dentre outras previsões, determinou que as disposições da Lei nº 13.979/20 deverão vigorar enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente da crise gerada pela disseminação do coronavírus.


Dessa forma, a citada lei perderia vigência em 31 de dezembro de 2020, na medida em que esta mantinha-se atrelada à vigência do Decreto Legislativo nº 06/2020, que diz respeito ao estado de calamidade pública no país. No dia 30 de dezembro de 2020, todavia, foi proferida decisão monocrática pelo Min. Ricardo Lewandowsky, do STF, a deferir parcialmente medida cautelar suscitada na ADI nº 6.265/DF, mantendo a vigência dos artigos 3°, 3°-A, 3°-B, 3°-C, 3°-D, 3°-E 3°-F, 3°-G, 3°-H e 3°-J, além de parágrafos, incisos e alíneas, da Lei Federal nº. 13.979/2020.


As questões trabalhistas restaram especificamente tratadas, ainda que de maneira não exaustiva, no texto da Medida Provisória nº 927, publicada em 22 de março de 2020. A referida MP não foi votada, tendo perdido validade em 19 de julho de 2020.


Houve, ainda, edição da Medida Provisória nº 936, em 01º de abril de 2020, com previsão de criação do Benefício Emergencial para Preservação de Emprego e Renda (BEPER), para suprir a lacuna deixada após a revogação do artigo 18 da MP 927/20. A referida MP estabeleceu mecanismos para suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salário, com percepção, pelo trabalhador, de benefício custeado pelo Estado. A referida MP foi convertida na Lei nº 14.020/2020.


Mas, em termos concretos, quais as implicações trabalhistas sentidas pela legislação emergencial posta no último ano?


“HOME OFFICE”


O denominado “home office” emergiu como alternativa viável em diversos setores da economia, como maneira de manter seguros os trabalhadores, com a continuidade das atividades econômicas, tendo sido adotado imediatamente por muitas empresas.


Consoante referido em momento anterior, a Medida Provisória nº 927/2020, trouxe regulamentação específica, em especial, no que concerne ao trabalho em sistema de “home office”. Em que pese as disposições da MP não terem sido transformadas em legislação, o entendimento adotado é no sentido de que as medidas implementadas durante sua vigência mantêm-se válidas e vigentes para os casos pontuais. No mais, importa considerar que há, no artigo 611-A, da CLT, autorização expressa para que sejam negociadas, entre sindicatos, condições e regras para o desenvolvimento do contrato de trabalho, o que pode ser adotado em relação ao tema.


A despeito de a CLT trazer previsão acerca do teletrabalho, desde as alterações implementadas pela Lei nº 13.467/17, há diferenças entre o sistema de trabalho estabelecido pela legislação trabalhista e aquele adotado, às pressas, em função da pandemia. Importa considerar que, no momento, há discussão acerca do estabelecimento de normas para o regramento do “home office”, a fim de garantir segurança jurídica a empregadores e empregados.


BEPER


Até outubro de 2020, cerca de 9,7 milhões de trabalhadores tiveram seus contratos suspensos ou jornada de trabalho reduzida, com percepção do BEPER. Em princípio, havia limitação temporal para a utilização dos institutos, todavia, houve sucessivas prorrogações desse prazo, frente à manutenção da calamidade pública decorrente da pandemia.


Ambos os institutos, bem como o benefício pago pelo governo, tiveram prazo de aplicação encerrado em 31/12/2020. Dessa forma, todos os trabalhadores que tiveram contratos suspensos, ou jornada reduzida, deveriam retomar suas atividades, de maneira integral, no dia 02/01/2021, contando com a estabilidade empregatícia conferida pela legislação.


Entretanto, tendo em vista a piora dos índices de saúde, verificada no início do ano de 2021, que levou a novas medidas de suspensão de atividades presenciais, há discussão acerca da renovação da possibilidade de suspensão contratual ou redução de jornada de trabalho, sem posicionamento final até o momento, por parte das autoridades responsáveis.


JUSTIÇA DO TRABALHO


Além das medidas governamentais, destinadas aos empregados e empregadores, foi necessária adaptação da Justiça do Trabalho às diretrizes de distanciamento social impostas pela crise sanitária.


Em um primeiro momento, foram suspensos, de maneira total, prazos e atos processuais, bem como atendimento presencial nos fóruns e repartições públicas ligadas à Justiça. Tal suspensão perdurou até maio de 2020, quando iniciou-se a retomada das atividades, de maneira não presencial, num primeiro momento.


Em 31 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça instituiu plataforma emergencial de videoconferência, para realização de audiências e sessões de julgamento, nos órgãos do Poder Judiciário, por meio da Portaria nº 61/2020, como meio de minimizar eventuais prejuízos processuais decorrentes da anterior suspensão das atividades presenciais.


Nessa esteira, o TST, por meio da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, editou o Ato nº 11/GCGJT, em 23 de abril de 2020¸ que “Regulamenta os prazos processuais relativos a atos processuais que demandem atividades presenciais, assim como a uniformização dos procedimentos para registro e armazenamento das audiências em áudio e vídeo e fixa outras diretrizes.”


No decorrer do ano de 2020, a maioria das audiências realizadas na Justiça do Trabalho ocorreu por meio virtual, verificando-se retomada gradual das atividades presenciais no fim do ano, ainda com número reduzido de sessões nos Fóruns e atendimento com agendamento prévio, para evitar reunião de grande quantidade de pessoas nos espaços.


JURISPRUDÊNCIA


A Justiça do Trabalho foi intensamente acionada.


Em um momento inicial, foram ajuizadas ações cujo questionamento principal dizia respeito ao afastamento compulsório de trabalhadores inseridos nos grupos de risco de contágio da doença, sobretudo, aqueles maiores de 60 anos e portadores de comorbidades. De maneira geral, o entendimento adotado apontou no sentido de que, tais trabalhadores deveriam ser afastados do labor na linha de frente de combate à pandemia.


Decidiu-se, ainda, que as empresas estão obrigadas a fornecer equipamentos de proteção individual específicos aos trabalhadores, a depender da atividade realizada, enquanto perdurar a pandemina COVID-19. Itens como máscaras e álcool em gel, para higienização das mãos e dos postos de trabalho, devem ser entregues com regularidade aos empregados, bem como deve ser fiscalizada a utilização. Da mesma forma, estão os obreiros obrigados a observar protocolos de saúde, sob pena de sofrer punições.


O fornecimento de equipamentos de proteção individual, de maneira geral, já se encontra previsto em legislação, existindo penalidade para o descumprimento de tal diretriz. Assim sendo, é de se considerar que há possibilidade de autuação da empresa em caso de não disponibilização dos EPIs específicos para cumprimento dos protocolos de saúde de combate à pandemia COVID-19.


COVID COMO DOENÇA OCUPACIONAL


Um dos maiores debates travados no último ano – e que promete gerar muita discussão na Justiça do Trabalho – refere-se ao tratamento da COVID-19 como doença profissional. Em um primeiro momento, a MP 927 previu a caracterização da moléstia como doença ocupacional, apenas se comprovado o nexo de causalidade. Todavia, o Supremo Tribunal Federal anulou o texto da MP que versava nesse sentido, tendo a maioria dos Ministros entendidos que a prova da relação entre a contaminação e o trabalho, seria espécie de “prova diabólica”.


Em dezembro de 2020, entretanto, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho publicou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, que tem como finalidade o esclarecimento das regras aplicáveis à análise do nexo causal entre a COVID-19 e as atividades laborais, para fins de concessão de benefícios previdenciários. Em suma, a nota elucida no sentido de que não há presunção legal de consideração da COVID-19 como doença ocupacional, sendo necessária realização de perícia médica para tanto. Todavia, a depender das atividades realizadas pelo trabalhador, há possibilidade de que se considere como tal, para fins de percepção de benefício previdenciário, sobretudo.


Cumpre apontar, a esse respeito, que, em pesquisa realizada pelo Valor Econômico, verificou-se que os acidentes de trabalho tiveram como principal causa, no terceiro trimestre de 2020, a COVID-19. A doença, contribuiu, ainda, e de maneira substancial, para o aumento no percentual de afastamentos das atividades laborais, da ordem de 246% em relação ao mesmo período no ano anterior. O volume de ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho para discutir o tema, acredita-se, deve acompanhar o movimento.


VACINAÇÃO


Com a chegada das vacinas, e com a imunização sendo estendida para além dos grupos considerados “de risco”, a tendência é de que ocorra normalização paulatina, com esperado retorno das atividades a uma configuração pré-pandemia. A despeito da demora para que isso ocorra, já surgiram diversos questionamentos acerca da exigência de vacinação da população e da interação entre a vacinação e o mercado de trabalho.


Em julgamento das ADIs 6586 e 6587 e do ARE 1267879, o pleno do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que, nos termos do previsto pela Lei nº 13.979/2020, o Estado pode determinar que os cidadãos submetam-se compulsoriamente à vacinação contra a COVID-19. Nesse passo, há possibilidade de submeter os cidadãos a sanções (multas, impedimento de frequentar e adentrar determinados lugares, fazer matrícula em instituições de ensino), não sendo possível, entretanto, realizar a imunização à força. O argumento de maior força utilizado na decisão é aquele que aponta no sentido de que o interesse coletivo se sobrepõe ao interesse individual, em circunstâncias como as que a sociedade está enfrentando.


Especificamente no que concerne à possibilidade de os trabalhadores serem obrigados, por seus empregadores, a serem imunizados, ainda, não há consenso. A vertente contrária sustenta que a obrigatoriedade afrontaria o direito de escolha do trabalhador, bem como, suscita o princípio da legalidade, inserto no artigo 5º, II, da CRFB. A vertente favorável, por sua vez, salienta que as empresas são responsáveis por garantir um ambiente de trabalho seguro, ressaltando que, além disso, um trabalhador não vacinado colocaria todos os demais em risco. O principal argumento, todavia, funda-se na anteriormente comentada decisão proferida pelo STF.


Recentemente, o Ministério Público do Trabalho manifestou entendimento no sentido de que a recusa da imunização, por parte do trabalhador, pode culminar em demissão, com aplicação da penalidade de justa causa. A fundamentação empregada pelo MPT é no sentido de que o obreiro que não se vacina expõe os demais – e a empresa como um todo – ao risco, podendo receber sanções que, em tese, culminariam na dispensa justificada.


Há, assim, possibilidade de empresas optarem pela demissão – ou pela não contratação – de trabalhadores que optem por não serem imunizados. Caberá à Justiça do Trabalho, e aos operadores do Direito como um todo, a construção de entendimento acerca do tema, portanto.


PARA ONDE IREMOS?


A realidade é que a pandemia COVID-19 está longe de acabar e, ainda em 2021, trabalhadores e empresas continuarão passando por grandes desafios e dificuldades.


A Justiça do Trabalho, como vimos, tem e terá papel essencial no enfrentamento da crise, analisando as circunstâncias e soluções estabelecidas, implementando procedimentos e construindo entendimentos, na busca de trazer maior segurança à relação empresa x empregado, tão desgastada durante os últimos meses.




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